Devires
O
paciente vive entristecido pela Grande
Máquina. Sua alegria foi aniquilada em plena vigília.
Do nada. Ninguém assume
a autoria dos pequenos crimes.
Eles são administrados em nome da paz de
espírito. Ora, o espírito
também caga. Avise aos últimos
palhaços que a arte foi solapada em nome do ideal dos homens
de branco. Ao que me consta, nada mudou no sulco das bocas. Elas falam rachando dentes. Mastigam
auroras nati-mortas. Mas o Rosto carrega uma expressão justa, como negar? A bondade natural dos humanos. Ó Lovecraft,
socorrei! Apenas uma cidade respirando um arco-íris, manda por favor...
Não falo por mim. Por mim, ó... Falo pelo que não sou, falo
por devires. Escutai a
canção do mundo... Você dança?
O paciente sucumbe à Ordem. Por favor,
o senhor pode me dizer as
horas? Já vai tarde o tempo
dos mestres, com todo o respeito.
Sonâmbulos da própria dor,
como falar aos
que não falam? A Grande Máquina é uma pequena dose de benefícios a curto e
médio prazo. Ela
se insinua na febre dos
corredores infectos. Um susto, um sus. Tudo é
contágio. Resistir à morte, querida, e fazer dessa vibração algo novo,
será possível? Talvez um devir-amante imerso em trepadas millerianas. Bicho, perdoa o jeito canino: o que é necessário
para viver por viver?
Pacientes são pacientes demais.
Armaduras químicas, lições de casa, manuais de sobrevivência,
coisas simples, eles são normais. Eu queria um gosto de sol em
você, em suas dores mais intensas e irremediáveis. Pena que a
sombra dos quintais do passado anuncie
sessões de tortura regadas à dinheiro. A
entrega é às oito. Todos estarão lá, até o
chefe da Facção Sinistra, aquele
mesmo que começou a seduzir a multidão
com truques de falar
macio. Não tem jeito. Somos inocentes radicais.
(...)
Antonio Moura - do livro Trair a psiquiatria
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