domingo, 6 de maio de 2012

SOBRE AS DEPRESSÕES


A depressão bipolar (TAB)  é  um signo da doença médica a qual   só um médico, óbvio, está  autorizado  a  tratá-la.  Os investimentos  (não só financeiros)  no  biopoder  se expressam na produção de um cérebro-objeto apassivado  e congelado  por imagens diagnósticas. Teórico-experimental, o método cumpre a função de melhor  observar e compreender o funcionamento  dos  circuitos  cerebrais.  Ele  decalca  a mente   de   um  universo neuronal   visibilisável.  Um novo  dualismo (pós-cartesiano) se  impõe. De  um lado o cérebro. Do outro, o corpo-organismo. Trata-se de uma psicopatologia  neurobiológica ou uma patologia neurobiológica ou simplesmente uma patologia neurológica. É o assassinato da psicopatologia. A psiquiatria da  depressão é a depressão  da psiquiatria, ou seja,  o desaparecimento  de  alguma  vitalidade  teórica (oriunda  do século  XIX)  sob  a égide  da neurociência  e  os  interesses  da indústria  farmacêutica. Onde  se  originam   as  depressões? Inverte-se causa  por  efeito. A neurociência    entronizou   uma  psiquiatria das sinapses.  É uma  constatação prática[1]. O cérebro de um artista, de  um cientista, de um pensador, o cérebro de um apaixonado... não estão doentes, mas sofrem o efeito do universo em volta  que os  constitui.  Quem vem primeiro é o universo (=matéria), não o cérebro[2]. Ora,  o  projeto  neurocientífico, em que  pese  as  limitações intrínsecas  ao  método,  é por demais interessante  para ficar   restrito e aprisionado  à  vontade  de controlar da  psiquiatria.  Apesar  disso,  o corpo e o tempo, como um estribilho, seguem  a  clínica. Não  há  controle possível. O desejo  é  curvo.  O corpo  não é  só  o do  paciente. É  o da  psicopatologia da  diferença  onde o paciente é  buscado como movimento. O tempo é  o do acontecimento: um entre-tempo. É  o que  arrasta  o presente  no rumo  de uma terra nova  onde  os  saberes  não  tem fronteiras. Para uma clínica  das multiplicidades  o pensamento torna-se corpo-tempo  expresso  na ciência, na filosofia e na  arte. O  oposto  da depressão não  será  a mania, mas  a  alegria. [3]
(...)
Antonio Moura - do livro Trair a psiquiatria

[1] “Durante  as últimas  décadas  do século XX, psiquiatras  e seus  pacientes começaram a reconhecer que  as  doenças mentais são doenças  do cérebro, que podem ser  compreendidas e tratadas com ferramentas  científicas  estabelecidas”, Andreasen, N. C., Admirável  cérebro  novo, Porto Alegre, Artmed. 2005, p.18.
[2] “É o cérebro  que  faz  parte  do  mundo material , e não  o mundo material faz  parte  do cérebro. Suprima a  imagem  que  leva  o nome  de mundo material, você aniquilará de uma  só  vez  o cérebro e  o estímulo  cerebral que  fazem parte  dele”, Bergson, H., Matéria e memória: ensaio sobre  a relação do corpo com o espírito, São Paulo, Martins Fontes, 1999, p. 13.
[3] Há na alegria um mecanismo aprovador que  tende a ir  além do objeto particular que a  suscitou, para afetar indiferentemente qualquer  objeto e chegar  a uma afirmação do caráter jubiloso da existência”, Rosset, C., Alegria; a força maior, Rio, Relume-Dumará, 200, p.7.

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