SOBRE AS DEPRESSÕES
A depressão bipolar (TAB) é um
signo da doença médica a qual só um
médico, óbvio, está autorizado a
tratá-la. Os investimentos (não só financeiros) no biopoder se expressam na produção de um cérebro-objeto
apassivado e congelado por imagens diagnósticas. Teórico-experimental, o método cumpre a função de melhor observar e compreender
o funcionamento dos circuitos
cerebrais. Ele decalca
a mente de um
universo neuronal visibilisável.
Um novo
dualismo (pós-cartesiano) se
impõe. De um lado o cérebro. Do
outro, o corpo-organismo. Trata-se de
uma psicopatologia neurobiológica ou uma patologia neurobiológica
ou simplesmente uma patologia neurológica. É o assassinato da
psicopatologia. A psiquiatria da
depressão é a depressão da
psiquiatria, ou seja, o
desaparecimento de alguma
vitalidade teórica (oriunda do século
XIX) sob a égide da neurociência e os interesses
da indústria farmacêutica.
Onde se
originam as depressões? Inverte-se causa por efeito. A neurociência entronizou uma psiquiatria
das sinapses. É uma constatação prática[1]. O cérebro de um artista, de um cientista, de um pensador, o cérebro de um
apaixonado... não estão doentes, mas sofrem o efeito do universo em volta que os
constitui. Quem vem primeiro é o
universo (=matéria), não o cérebro[2]. Ora, o projeto
neurocientífico, em que pese as limitações intrínsecas ao método, é por demais interessante para ficar
restrito e aprisionado à vontade de controlar da psiquiatria. Apesar
disso, o corpo e o tempo, como um
estribilho, seguem a clínica. Não
há controle possível. O
desejo é
curvo. O corpo não é
só o do paciente. É o da
psicopatologia da diferença onde o paciente é buscado como movimento. O tempo é o do acontecimento: um entre-tempo. É o que arrasta
o presente no rumo
de uma terra nova onde os
saberes não tem fronteiras. Para uma clínica das multiplicidades o pensamento torna-se corpo-tempo expresso na ciência, na filosofia e na arte. O
oposto da depressão não será a
mania, mas a alegria. [3]
(...)
Antonio Moura - do livro Trair a psiquiatria
[1]
“Durante as últimas décadas
do século XX, psiquiatras e
seus pacientes começaram a reconhecer
que as
doenças mentais são doenças do
cérebro, que podem ser compreendidas e
tratadas com ferramentas
científicas estabelecidas”,
Andreasen, N. C., Admirável cérebro
novo, Porto Alegre, Artmed. 2005, p.18.
[2] “É
o cérebro que faz
parte do mundo material , e não o mundo material faz parte
do cérebro. Suprima a imagem que
leva o nome de mundo material, você aniquilará de
uma só
vez o cérebro e o estímulo
cerebral que fazem parte dele”, Bergson, H., Matéria e memória: ensaio sobre
a relação do corpo com o espírito, São Paulo, Martins Fontes, 1999,
p. 13.
[3] Há
na alegria um mecanismo aprovador que tende
a ir além do objeto particular que
a suscitou, para afetar indiferentemente
qualquer objeto e chegar a uma afirmação do caráter jubiloso da
existência”, Rosset, C., Alegria; a força
maior, Rio, Relume-Dumará, 200, p.7.
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