GEOFILOSOFIA
Os direitos do homem não dizem nada sobre os modos de existência imanentes do homem provido de
direitos. E a vergonha de ser um homem, nós não a experimentamos somente nas situações extremas
descritas por Primo Levi, mas nas condições insignificantes, ante a baixeza e a vulgaridade da existência que
impregnam as democracias, ante a propagação desses modos de existência e de pensamento-para-o-mercado,
ante os valores, os ideais e as opiniões de nossa época. A ignomínia das possibilidades de vida
que nos são oferecidas aparecem de dentro. Não nos sentimos fora de nossa época, ao contrário, não
cessamos de estabelecer com ela compromissos vergonhosos. Este sentimento de vergonha é um dos mais
poderosos motivos da filosofia. Não somos responsáveis pelas vítimas, mas diante das vítimas. E não há
outro meio senão fazer como o animal (rosnar, escavar o chão, nitrir, convulsionar-se) para escapar ao
ignóbil: o pensamento mesmo está por vezes mais próximo de um animal que morre do que de um homem
vivo, mesmo democrata. Se a filosofia se reterritorializa sobre o conceito, ela não encontra sua condição na
forma presente do Estado democrático, ou num cogito de comunicação mais duvidoso ainda que o cogito da
reflexão. Não nos falta comunicação, ao contrário, nós temos comunicação demais, falta-nos criação. Falta-nos
resistência ao presente. A criação de conceitos faz apelo por si mesma a uma forma futura, invoca uma
nova terra e um povo que não existe ainda. A europeização não constitui um devir, constitui somente a
história do capitalismo que impede o devir dos povos sujeitados.
(...)
Gilles Deleuze e Félix Guattari in O que é a filosofia?
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