O MEDO À MUDANÇA
CartaCapital: Como o feminismo e a questão Israel-Palestina se correlacionam em seu trabalho?
Judith Butler: Muitas vezes meu trabalho se relaciona com movimentos sociais. Eu tento entender o que está acontecendo e então ofereço uma visão teórica sobre o fato. Às vezes, isto serve como ponto de referência para aqueles que buscam refletir sobre suas posições políticas e sociais.
Talvez nós devamos adicionar o movimento queer a esta lista, assim como a minha filiação nas políticas anti-guerra. Para mim, a questão é por que é tão difícil para as pessoas viverem juntas em igualdade? O que é esta resistência à igualdade em si?
Claro, uma resposta é que os dominantes procuram manter essa posição, mas, ainda assim, é possível se perguntar: por que não é mais desejado viver em termos de igualdade uns com os outros? Por que algumas vidas são consideradas importantes e outras não?
O problema de como atingir a igualdade surge para mim de diferentes formas. Quem é passível de luto e quem não? Por que algumas vidas são valorizadas pela sociedade e outras não? Uma radical desigualdade ainda caracteriza as relações entre homens e mulheres e entre Israel e Palestina, e, apesar de não se tratar de uma analogia estrita, ainda podemos perguntar porque a igualdade é tão difícil de ser atingida. E como começar a entender a aversão à igualdade?
CC: No Brasil, conservadores radicais tem se mobilizado contra iniciativas de discussão de gênero, direitos LGBTQ e feminismo, que muitos entendem como parte de uma agenda de imposição da "ideologia de gênero". Até mesmo sua conferência em São Paulo tornou-se alvo, com uma petição online alegando que "os brasileiros" não desejam sua presença em um "evento comunista". Na sua opinião, por que o debate a respeito do gênero inspira tanto medo e desentendimentos?
JB: Talvez “gênero” seja uma palavra que nomeia a circunstância de mudança nas normas sociais. O ataque ao “gênero” provavelmente emerge do medo a respeito de mudanças na família, no papel da mulher, na questão do aborto e das tecnologias para reprodução, direitos LGBTs e casamento homoafetivo.
Para aqueles que acreditam que “homens” e “mulheres” são naturalmente dotados de traços que os levam necessariamente a participar de um casamento heterossexual e da formação de uma família, é desconcertante e, talvez, assustador perceber que algumas pessoas designadas ao nascer para as categorias “masculina” e “feminina” não desejem permanecer naquela categoria, ou que algumas mulheres não queiram ter filhos ou que algumas famílias sejam formadas por gays.
Todos esses elementos são desafiadores. Nunca me ocorreu que a conferência seja “comunista”, ainda que exista nela uma preocupação sobre formas de autoritarismo e aumento das condições de precariedade na economia. No entanto, não estou certa de que isso a qualifique como “comunista”.
CC: Ao mesmo tempo, há uma nova onda do feminismo surgindo no mundo todo. No Brasil, milhares de mulheres, em especial as jovens, estão engajando-se em movimentos de gênero e têm participado de manifestações públicas contra o sexismo, a favor da descriminalização do aborto e da visibilidade do feminismo negro. Qual é a sua visão sobre essa nova geração de mulheres mobilizadas?
JB: Acredito que essa nova mobilização feminista não vai parar, e que aqueles entre nós que são mais velhos aprenderão com as novas gerações, e que os esforços para suprimir os movimentos não serão fáceis, e que eventualmente falharão. Acho que a violência contra a a mulher é uma forte razão para mobilização, mas também é a diferença de renda, e as demandas por educação e igualdade.
O feminismo também tem sua própria crítica ao militarismo e ao autoritarismo, que em geral são formas masculinas de poder. Então, o feminismo não é uma política identitária, mas também uma visão poderosa de liberdade e igualdade.
Tory Oliveira, Entrevista à Carta Capital, 06/11/2017, 15:58 hs
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