A DOENÇA DO PODER
Impossível não haver o poder. Ele é onipresente. Mas é possível identificar "sua doença".Usando Elias Canneti, Massa e Poder (1960), a “doença” é a paranóia. Há sempre, de fato, na medida e no fulcro das correlações de forças (sempre uma instabilidade tal como as condições climáticas), uma circulação da desconfiança a priori, uma suspicácia, um incentivo ao medo, à fobia, uma expectativa angustiante, um pânico frente à desordem, enfim, a grande suspeita contida numa peça sem autoria e sem sujeito. Quem é o poder? A paranóia não é individual, e sim coletiva, mesmo que surja em alguém isolado. Há regimes significantes eternizados como suplícios dos dominados. Esta parece ser a regra que a história timbrou. Pode ser o rei, o presidente, o príncipe, o prefeito, o general, figuras de autoridade... O que importa é que eles, os poderosos, se inserem em modos de subjetivação estabelecidos como verdades inquestionáveis, a depender, claro, dos rumos da política. Qualquer um pode ser qualquer um, todos são todos (as identificações) desde que o poder funcione como maquinaria produtora de um sentido, um gosto por viver e que se nutra de linhas institucionais endurecidas. Instalada a paranóia, desconfia-se de todos que não compartilhem de certas crenças; é o clima necessário para dizer e sentir “eu posso tudo”. Aguirre, a Cólera dos Deuses (1972), o filme de W.Herzog, ilustra bem o liame poder- paranóia como delírio do infinito: a sequência final é emblemática. Assim, é possível extrair da psiquiatria o sistema da paranóia como lógica persecutória que funciona no território movediço dos afetos políticos, mesmo na consciência individual. "Deus me vigia". O poder produz isso, alimenta-se de mil produções subjetivas, delira. A contrapartida à tal vivência persecutória e dilacerante seria a traição à ordem instituída como expressão nova de experimentar a passagem do tempo que não volta, ou seja, a irreversibilidade. Trata-se de uma prática política como afirmação da vida. Tarefa difícil.
A.M.
P.S. - Texto revisado, ampliado e republicado.
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