sexta-feira, 10 de agosto de 2018

OS AMANTES 

 Quem os vê andar pela cidade 
 se todos estão cegos? 
 Eles se tomam as mãos: algo fala 
 entre seus dedos, línguas doces 
 lambem a úmida palma, correm pelas falanges, 
 e acima a noite está cheia de olhos. 

 São os amantes, sua ilha flutua à deriva 
 rumo a mortes na relva, rumo a portos 
 que se abrem nos lençóis. 
 Tudo se desordena por entre eles, 
 tudo encontra seu signo escamoteado; 
 porém eles nem mesmo sabem 
 que enquanto rodam em sua amarga arena 
 há uma pausa na criação do nada 
 o tigre é um jardim que brinca. 

 Amanhece nos caminhões de lixo, 
 começam a sair os cegos, 
 o ministério abre suas portas. 
 Os amantes cansados se fitam e se tocam 
 uma vez mais antes de haurir o dia. 

 Já estão vestidos, já se vão pela rua. 
 E só então, 
 quando estão mortos, quando estão vestidos, 
 é que a cidade os recupera hipócrita 
 e lhes impõe os seus deveres quotidianos. 

Julio Cortázar

tradução de José Jeronymo Rivera

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