quinta-feira, 30 de junho de 2011

O pensador é antes de tudo clínico, decifrador sensível e paciente dos regimes de signos produzidos pela existência, e segundo os quais ela se produz.

F. Zourabichvili - do livro O vocabulário de Deleuze

Philip Glass

                                                        
                                                  Philip Glass
amor ao amar
quem deseja
acontece




*Antonio
Trágico designa a forma estética da alegria, não uma fórmula médica, nem uma solução moral da dor, do medo ou da piedade. O que é trágico é a alegria. Mas isto quer dizer que a tragédia é imediatamente alegre, que ela suscita o medo e a  piedade do espectador obtuso, ouvinte patológico e moralizante, que conta com ela para assegurar o bom funcionamento de suas sublimações morais ou de suas purgações médicas.

* G. Deleuze - do livro Nietzsche e a filosofia

João Bosco

                                  
                                                    * João Bosco
Na estreita cisterna que os   Srs. chamam de "pensamento", os raios espirituais apodrecem como palha.
Chega de jogos de linguagem, de artifícios de sintaxe, de prestidigitações com fórmulas, agora é preciso encontrar a grande Lei do coração, a Lei que não seja uma lei, uma prisão, mas um guia para o Espírito perdido no seu próprio labirinto. (...) (...) Em nome da vossa própria lógica, vos dizemos: a vida fede, Senhores.


Antonin Artaud - Carta aos Reitores das Universidades Européias

quarta-feira, 29 de junho de 2011

Herzog


                                                  Aguirre, a cólera dos deuses - Herzog
O anoréxico é um apaixonado: ele vive de várias maneiras a traição ou o duplo desvio. Ele trai a fome, porque a fome o trai sujeitando-o à refeição familiar e a toda uma política da família e do consumo (substituir a isso um consumo interrompido, mas neutralizado, asseptizado); enfim, ele trai o alimento, porque o alimento é traidor por natureza (idéia do anoréxico que o alimento  está cheio de larvas e de venenos, vermes, bactérias, essencialmente impuro, daí a necessidade de escolher e de extrair dele partículas, ou de cuspi-las novamente). Estou morrendo de fome, diz ela, precipitando-se sobre dois "yogurts dietéticos". Engana-a-fome, engana-a-família, engana-o-alimento.Em suma, a anorexia é uma história de política: ser o involuido do organismo, da família ou de uma sociedade de consumo.

G. Deleuze e C. Parnet - do livro Diálogos
Os antipsicóticos são metabolizados pelo sistema enzimático citocromo P450.Os sistemas isoenzimáticos predominantemente envolvidos são: CYP2D, CYPIA2, CYP3A4 e CYP2C19. O delírio se esvai numa atmosfera científica. Uma verdade é  instilada como modo de subjetivação bioquimizado. A racionalidade é garantida no mercado das ações morais. Todos lucram....

Antonio Moura
Para os guerreiros-viajantes, só há a luta, e é uma luta sem fim. 


Carlos Castãneda - do livro O lado ativo do infinito
A entropia é o elemento essencial introduzido pela termodinâmica, a ciência dos processos irreversíveis, ou seja, orientados no tempo. Todos sabem o que é um processo irreversível.

Ilya  Progogine - do livro O fim das certezas
Deste modo, o conhecimento psiquiátrico move-se ainda hoje num círculo de redundância lógica marcado pelo conceito de consciência.Esta se revela improdutiva em termos de uma visão profunda para responder às questões da clínica. O paciente sofre? Ele é responsável? Quem fala quando ele fala? Até onde vai sua autocrítica? Isto é, haveria pelo menos um esboço de auto-observação? Ele se sente doente? Em caso positivo, de que "doença" se trata? Qual a origem dos transtornos mentais?

Antonio Moura - do livro Trair a psiquiatria, a ser publicado.
Devir -minoritário é um caso político, e apela a todo um trabalho de potência, uma micropolítica ativa. É o contrário da micropolítica e até da História, onde se trata de saber sobretudo como se vai conquistar ou obter uma maioria.


D/G - Mil Platôs

terça-feira, 28 de junho de 2011

(à Deleuze)


não sou um de vocês
sou eternamente de raça inferior
um negro
um vegetal
um bicho
uma molécula


solta
rota
puta




Antonio

Quentin Tarantino

                                                        
                                                 Bastardos inglórios
Os reflexos, os ecos, os duplos, as almas não são do domínio da semelhança ou da equivalência; e assim como não há substituição possível entre os verdadeiros gêmeos, também não há possibilidade de se trocar de alma.


G. Deleuze - do livro Diferença e repetição
Poeta, s.m. e f.


Individuo que enxerga semente germinar e engole céu
Espécie de um vazadouro para contradições
Sabiá com trevas
Sujeito inviável: aberto aos desentendimentos como
um rosto


Manoel de Barros - do  livro  Arranjos  para assobio
Há uma lenda antiga que pode servir para iluminar a vida futura da militância comunista: a de São Francisco de Assis. Examine-se a sua obra. Para denunciar a pobreza da multidão ele adotou essa condição comum e ali descobriu o poder ontológico de uma nova sociedade. O militante comunista faz o mesmo, identificando na condição comum da multidão sua enorme riqueza. Francisco, em oposição ao capitalismo nascente, recusou todos os instrumentos da disciplina, e em oposição à mortificação da carne (na pobreza e na ordem constituida) propôs uma vida de alegrias, incluindo todos os seres e a natureza, os animais, a irmã lua, o irmão sol, as aves do campo, os humanos pobres e explorados, juntos contra a vontade de poder e corrupção. Mais uma vez na pós-modernidade, encontramo-nos na situação de Francisco, propondo contra a miséria do poder a alegria do ser. Esta é a revolução que nenhum poder controlará - porque o biopoder e o comunismo, a cooperação e a revolução continuam juntos, em amor, simplicidade e também inocência. Esta é a irreprimível leveza  e alegria de ser comunista.


M. Hardt e A. Negri - do livro Imperio
Eis o prazer que dá sonhar sem qualquer perigo. Transforma-se os afetos quase todos autocomiserativos em ficções parademenciais (na sua plenitude). E a razão é o prazer de se transformar. Prazer da metamorfose segundo um corpo diferente do kafkeano. Pode ser vil algumas das transformações mas é feliz. Porque é gratuita interior a nós provinda dum acaso. Tudo então depende das nossas relações com o acaso. Da nossa versatilidade. Como sujeitos despreocupados em ser perfeitos. A nossa perfeição, se quisermos generalizar, é essa. Não ter forma que nos valha perante o acaso.

W.  Gombrowicz - (entrevista) O Mundo Demencial de Witold Gombrowicz ou a Razão Recuperada por Sonhos
                                                        
                                                              Birdy , o filme
Os saberes e as práticas que lidam com o "portador de transtorno mental" (enfermagem, terapia ocupacional, psicologia, serviço social,  terapeutas de variados matizes, etc) ainda carregam  a visão-clichê da psiquiatria sobre o paciente e a sua doença. Ou seja, quase todos os técnicos são psiquiatrizados (pensam como o psiquiatra),  mesmo que não admitam ou não queiram... Assim, os novos serviços (mais de 1.600 Caps no país) tendem a ser não mais que  hospícios-soft. Ok, esse é um processo histórico,as coisas não mudam da noite para o dia,  devemos esperar... blá, blá,  mas por quanto tempo? Ao invés da crítica, criar 1-lutas políticas  pela valorização do trabalho  técnico em saúde mental; 2-formas de atuação clínica completamente diversas das  adotadas  pela psiquiatria biológica.
Mas, quem topa?


Antonio Moura

segunda-feira, 27 de junho de 2011

O trabalho clínico com o paciente psicótico: em casos agudos e com risco para si e/ou para outros, o uso de remédios químicos é indicado. Afora  essas situações contextualizadas, a clínica das psicoses deverá ser  uma clínica dirigida para fora do enquadre  da consciência racional  e  egóica. Isto significa ir à rua, à comunidade , à família, ao mundo. Atenção:o psiquiatra pode atrapalhar nesse mister, caso  "alucine" sinapses e neurônios por toda a parte.

Antonio Moura
Sugestão de música-
Philip Glass -"I´m going to make a cake"
        Cronicamente inviável - filme brasileiro/2000- direção de Sérgio Bianchi
A sala de aula é o mundo com seus aparelhos, com seus dispositivos de domesticação de almas. Mas o devir-aluno é mais que o aluno como pessoa; ele segue os fluxos do aprender antes do ensinar. Não aprender as certezas e as opiniões prontas do homem médio, mas sim algo que muda imperceptível e veloz como o próprio tempo. Captar esse "imperceptível" do tempo é tornar-se o tempo irreversível dos atos do ensino que são, ao mesmo tempo, atos de aprendizado. Rigorosamente, não o Novo como um objeto ou objetivo a ser alcançado, e sim como a própria materialidade do espírito, a consistência da passagem, da "duração",  do tempo que não se vê, mas que se sente. Tornar-se aluno e mestre de si mesmo requer a multiplicação dos eus, o esquecimento da história pessoal e , como diz ainda Castañeda, a parada do diálogo interno. Toda uma bruxaria santa, todo um ritmo da natureza encravado nas falas mais artificiais e incômodas. É um estilo isso de ser não sendo, esse nomadismo no mesmo espaço e, ao mesmo tempo, já em Júpiter ou Urano, velocidades aceleradas para os seres lentos que somos. O pensamento voa.

A. Moura - do livro Linhas da diferença em psicopatologia
registro de prontuário


uma clínica da diferença
é indiferente às verdades estabelecidas


não busca suprimir sintomas
do paciente
não busca tornar mais forte
o seu ego


ou qualquer  coisa
que faça parte de um programa
de melhoras


ela busca apenas
tornar o paciente
não paciente




Antonio Moura
Há quem receite a palavra ao ponto de osso, de oco;
ao ponto de ninguém e de nuvem.
Sou mais a palavra com febre, decaída, fodida, na 
sarjeta.
Sou mais a palavra ao ponto de entulho.
Amo arrastar algumas  no caco de vidro, envergá-las
pro chão, corrompê-las
até que padeçam de mim e me sujem de branco.
Sonho exercer com elas o ofício de criado:
usá-las como quem usa brincos.


Manoel de Barros - do livro Arranjos para assobio
                                                      
                                                                Laranja  mecânica
Como diz Bergson, nós não percebemos a coisa  ou a imagem inteira, percebemos sempre menos, percebemos apenas o que estamos interessados em perceber, devido a nossas interesses econômicos, nossas crenças ideológicas, nossas exigências psicológicas. Portanto,comumente, percebemos apenas clichês.

G. Deleuze- A imagem-tempo

domingo, 26 de junho de 2011

A matriz de uma clínica da diferença é o delírio. Por isso ela é atravessada por todo tipo de fluxo: um amante ciumento, um  torcedor de futebol, um  estudioso da ufologia, um  paranormal, um  excêntrico, um  místico, um apaixonado pela natureza, pelas mulheres, pelos animais, pelas plantas, um  iconoclasta, um militante das utopias, um crédulo nas teorias da conspiração, um artista isolado do mundo, um pregador de causas perdidas, um bebê, uma criança, uma mulher, um negro, um homossexual, um  bicho, um travesti, um músico, um árabe, um quasímodo, um africano, um portador de transtorno mental, um demente, um idoso, uma mulher macho, um homem feminino, um poeta  romântico ou anti-romântico, um homem-elefante,  um viajante sem pouso, um evangélico fanático, um sonhador na vigília, uma  mulher grávida,  e mil  outros  personagens conceituais que escapam das codificações  objetivas de um saber prévio.

Antonio Moura
A literatura é delírio, mas o delírio não diz respeito a pai-mãe: não há delírio que não passe pelos povos, pelas raças e tribos, e que não ocupe a história universal. Todo delírio é histórico-mundial, "deslocamento de raças e continentes".


G. Deleuze  em Crítica e Clínica
                                                        
                                                         Cães de aluguel
devir-bebê, devir-miguel - III


à espreita dos signos 
o tempo  escorre 


sem licença
nem pressa


mas rápido
e lépido




Antonio
A vida animal descende toda do movimento dos mares, e dentro dos corpos a vida continua a sair de água salgada.
Assim foi que o mar interpretou um papel de órgão-fêmea, líquido  pela excitação do macho.
O mar está continuamente a masturbar-se.
Os elementos sólidos contidos e agitados dentro de uma água que se anima de movimento  erótico, brotam sob a forma de peixes voadores.


G. Bataille - do livro O ânus solar
Antes de ser uma especialidade médica, a psiquiatria se institucionalizou como domínio particular da proteção social, contra todos os perigos que o fato da doença, ou de tudo que se possa assimilar direta ou indiretamente à doença, pode acarretar à sociedade (...) (...) De fato, foi preciso, por um lado, codificar a loucura como  doença (...) (...) Mas, por outro lado, vocês estão vendo que  foi indispensável uma segunda codificação, simultânea à primeira. Foi preciso ao mesmo tempo codificar a loucura como perigo (...)


M. Foucault - do livro Os anormais

sábado, 25 de junho de 2011

Só há o desejo e o social, e nada mais.

D/G - O anti-édipo
Por isso, um ser vivo distingue-se de tudo o que nossa percepção ou nossa ciência isola ou fecha de modo artificial. Estaríamos errados em compará-los a um objeto.


H. Bergson - A evolução criadora
rosa passos 
marisa monte
que fiz 
para não tê-las
eternas?
devir-bebê, devir-miguel - II

a busca da linguagem
o corpo das intensidades
a explosão do desejo

eu vejo
sem intermediários

antonio
                                                        Taxi driver


O futebol é trágico. Trágico porque é alegre,  é imprevisível, não se dobra ao modelo quantitativo  do seu "acontecer", está além e aquém dos comentários  rasteiros de  apresentadores  pífios  e caçadores da audiência  imbecilizante,  funciona na ambiguidade do futuro (quem vai vencer?),  contém uma estética que precede toda racionalidade orgulhosa de si, trabalha com 90 minutos irreversíveis  e  imprevisíveis,   joga com a sorte, investe no puro talento,  contempla e considera a competência técnica, paquera e se embriaga da arte,   é  arte,  é arte, pura arte, é   completamente enlouquecedor  para   torcedores  amantes do gol ou da bola na trave, desdenha dos teóricos da  carteirinha  do jornalismo chinfrin, sobrevive aos desmandos e corrupções dos poderes,   surpreende nos descontos até aos mais desconsolados torcedores, enfim, por isso e   muito mais, o futebol é  uma  LOUCURA santa,  um  dilúvio envolvente, ainda mais quando as cores são as do Baeea, minha porra.

Antonio
Não se pode  tratar  a condição humana.


Hélio Pellegrino - psicanalista carioca, falecido em 1988
devir-bebê, devir-miguel - I


olhinhos  abertos 
ao universo
fundam  a metafísica das vibrações
do corpo


antonio

                                                        Asas do desejo
O tempo é o do acontecimento: um entre-tempo. É o que arrasta o presente no rumo de uma terra nova onde os saberes não tem fronteiras. Para uma clínica das multiplicidades o pensamento torna-se corpo-tempo expresso na ciência, na filosofia e na arte. O oposto da depressão não será a mania, mas a alegria.


Antonio Moura - do livro Trair a psiquiatria, a ser publicado
Eis aí, estou sozinho aqui, ninguém gira à minha volta, ninguém vem em minha direção, à minha frente ninguém jamais encontrou ninguém Essas pessoas não existiram nunca. Não foram nunca senão eu e esse vazio opaco. E os ruidos? também não, tudo é silencioso. E as luzes, com as quais eu tanto contava, será preciso apagá-las? Sim, é preciso, não há luzes aqui. O cinza também não, é preto que seria necessário dizer. São apenas eu, de quem nada sei, senão que nunca falei disso, e esse negrume, de que também nada sei, senão que é negro, e vazio. Eis portanto aquilo de que, devendo falar, falarei, até que não tenha mais nada a falar. Dê o que dê. 

S. Becket, do livro O inominável
O homem de ciência, a exemplo do técnico, é a sede de uma vontade de poder disfarçada em apetite de saber; a sua aproximação das coisas é uma violência sistemática.


Prigogine e Stengers - do livro A nova aliança

sexta-feira, 24 de junho de 2011

Leitor, talvez esperes que eu invoque o ódio ao iniciar esta obra! Quem te diz que não aspirarás, banhado em inumeráveis volúpias, o quanto quiseres, com tuas narinas orgulhosas, grandes e esguias, dando voltas sobre teu próprio ventre como o tubarão, no ar belo e negro, como se entendesse a importância desse ato e a importância ainda maior do teu legítimo apetite, lenta e majestosamente, as rubras emanações? Eu te garanto, elas agradarão aos dois buracos informes do teu horripilante focinho, ó monstro, desde que tenhas te dedicado antes a respirar três mil vezes seguidas a consciência maldita do Eterno! Tuas narinas, que ficarão desmesuradamente dilatadas pelo contentamento inefável, pelo êxtase imóvel, não pedirão outra coisa ao espaço, subitamente embalsamado por perfumes e incensos; pois ficarão saciadas  por uma felicidade completa, como a dos anjos que habitam a magnificência e a paz dos aprazíveis céus.

Lautréamont - do livro Cantos de Maldoror
                                                          
                                                mais Hitchcock - Intriga  Internacional  
A arte também atinge esse estado celestial que já nada guarda de pessoal nem de relacional. À sua maneira, a arte diz o que dizem as crianças. Ela é feita de trajetos e devires, por isso faz mapas, extensivos e intensivos.


G. Deleuze - do livro Crítica e Clínica
um rosto de mulher
desfeito em pétalas
refeito em sombras


insiste na pele
como paixão


Antonio
Na experiência da loucura está contida a história da humanidade.    Ela se conecta   com  partículas    insondáveis  do caos e do acaso, tornando-se  a expressão da potência e/ou  impotência do viver louco. Ao contrário do romantismo, esse "viver louco" implica um contato direto com as forças da realidade, a realidade do virtual. Isso dá trabalho encontrar,  mas  é a via para a diferença. Em psicopatologia, trata-se de abrir as vivências do paciente a  mil linhas existenciais (temas, saberes, fatos, dados, histórias, lutas, perdas,  etc)  inexploradas ou  apenas exploradas pelos  psi-códigos  instituidos.  

Antonio Moura

                                                     Cena de Blade Runner
O poema é antes de tudo um inutensílio.


Hora de iniciar algum
convém se vestir roupa de trapo.


Há quem se jogue debaixo de carro
nos primeiros instantes.


Faz bem uma janela aberta
uma veia aberta.


Para mim é uma coisa que serve de nada o poema
enquanto vida houver.


Ninguém é pai de um poema sem morrer.






Manoel de Barros - do livro Arranjos para assobio
Minha opinião acerca da religião é a mesma que a de Lucrécio. Considero-a como uma doença nascida do medo e como uma fonte de indizível sofrimento para a   raça humana. Não posso, porém, negar que ela trouxe certas contribuições à civilização. Ajudou, nos primeiros tempos, a fixar o calendário, e levou os sacerdotes egípcios a registrar os eclipses com tal cuidado, que, com o tempo, foram capazes de predizê-los. Estou pronto a reconhecer esses dois serviços, mas não tenho conhecimento de quaisquer outros.


Bertrand Russel - do livro Porque não sou cristão
Sugestão de vídeo:


Justo  Veríssimo e a  sua Corruptocracia
(com Chico Anísio) 

quinta-feira, 23 de junho de 2011

o brasil dos calmos
dos pregadores da paz
dos anunciadores do milênio
dos idólatras da modernidade


dos educados


afasta de mim
esse cálice

                                                     Cena de "Os pássaros" de Hitchcock
seguindo  o meu  amigo Isac...

não convém  festejarmos corpus christi 
festejemos  corpos alegres

em 23/06/2011
                                                        
                                                            Francis Bacon
\
Ética e  Clínica – 2



                                                                  Antonio  Moura


    


     A  psiquiatria chama o  seu   paciente de  “portador de  transtorno mental”. Nem  sempre explícito,  tal enunciado   está  na bíblia  dos diagnósticos, a  CID.  A expressão “mental”  é usada  de modo naturalizado, ou seja, todo mundo  sabe  o que  é  “mental”. A  metonímia  “ele  é  um  mental”  expõe   o  nervo  do   estigma.
    Contudo,  no  Encontro com a loucura,    acontece  outra  coisa: a  mente  some   como substância,  ou  como  algo  palpável.   Dilui-se   num  vazio  sem  forma.
     Encontrar o  paciente  seria    então  possível?
   Sim, na medida em que  se   adentre   ao   Acaso,  ao  Indeterminado  e ao  Desconhecido.  Esta  é a   condição.   Como,  então,   trabalhar a clínica?  A experiência da prática  mostra que    ela  só existe como abertura  ao  mundo.  Por  outro  lado, a     ética – essência da clínica -   sustenta-se   na alegria.   É  a  força  maior.   “O regime da alegria é  o do  tudo  ou  nada: não  há senão alegria total  ou nula” [1].
     A  psicopatologia da  diferença   busca,  então,    atuar  em   linhas   existenciais desprezadas  pela  razão.  Lida com  o  incurável,  o imprestável,   e  com  discursos   submetidos  às formações de poder.  Requer um  desejo   não apoiado na realidade objetiva   pois    o  desejo é a  própria   realidade objetiva.  No  universo  sedutor-violento  do  capital, a  aposta  num trabalho com  pacientes  graves  capta  o ritmo das  canções  sem  dono. Tudo  é impessoal e    coletivo.   O  Caps    torna-se, então,    a   procura   de saídas não  cadastradas pela psiquiatria   canônica. A  ótica  da  diferença é  o  novo.  A  ética  precede  a técnica.
     Quem arrisca?
  Legiões  de psiquiatrizados  de toda parte ajoelham-se  no altar  dos  psicofármacos e   dos   cérebros   à mão. Tudo   conspira a  favor do consumo  de   pacotes  cientificamente autorizados  para ações lucrativas. No  entanto,  mesmo   desbotada e segregada nos  grilhões cidológicos , a diferença  resiste.   A ética da potência  de  viver afirma-se    como  ética  de poetas   itinerantes.
    O discurso e a prática da  diferença  exploram  o avesso   da  ordem  do  estado  capitalista. Quem se  interessa  em criar,  fazer nascer?   Pergunta  insana,  na  medida em que  os  poderes investem na   repetição do  mesmo e  no  rigor  mortis   do pensamento.  Por  isso,   uma  clínica  da diferença considera as  determinações sócio-políticas  como  a     superfície  da  ação  mais  concreta. O  ato  clínico.  Em  suas  pesquisas, não  encontra  respostas  exatas, mas   problemáticas instigantes.
    Se  a loucura   é  a experiência que   atravessa a subjetividade,  (mesmo que não estejamos    loucos, podemos entrar  num devir-loucura), tudo  muda  na  percepção fina  da  realidade do  Encontro. Um novo universo se  desvela. Somos devires incontroláveis.


[1] Moura, A., Trair a psiquiatria,  a ser publicado.
Comentário:

"Psicopatologia - uma abordagem integrada", de David Barlow e Mark Durand - São Paulo, Cengage Learning, 2008,  um   tratado canônico  de psiquiatria  cidológica  e  biológica, mas  não  um  livro de psicopatologia,  muito  menos "integrada".

Antonio
ela tem os olhos azuis
mais verdes que vi
a poesia arrebenta 
em suas praias de carne


Antonio
                                                           Glória feita de sangue - o filme
micro-entrevista  3-  o  eu é um outro



paciente - doutor, eu nem comecei a falar e o  sr. já está fazendo a minha  receita?


médico -  não, não. essa aqui é a do próximo paciente. a sua é a outra; já  tá  pronta, tome ...pode levar...
O homem não se torna lobo, nem vampiro, como se mudasse de espécie molar; mas o vampiro e o lobisomem são devires  do homem, isto é, vizinhanças entre moléculas compostas, relações de movimento e repouso, de velocidade e lentidão, entre partículas emitidas. É claro que há lobisomens, vampiros, dizê-mo-lo de todo coração, mas não procure aí a semelhança ou a analogia com o animal, pois trata-se do devir-animal em ato, trata-se da produção do animal molecular (enquanto que o animal "real" é tomado em sua forma e sua subjetividade molares).

D/G - Mil Platôs
Digressão marxiana

O sistema da indústria (instituições aliadas) produz o fármaco e    alguém que o consuma.  Produz, então,  o doente e a sua doença. Ou seja, produz o consumo que produz a produção que produz  o consumo num circuito infernal...
A produção é, pois, imediatamente consumo; o consumo é, imediatamente, produção. Cada qual é imediatamente seu contrário. Mas, ao mesmo tempo, opera-se um movimento mediador entre ambos. A produção é mediadora do consumo, cujos materiais cria e sem os quais não teria objeto. Mas o consumo é também mediador da produção ao criar para os produtos o sujeito, para o qual são produtos. O produto recebe seu acabamento final no consumo. Uma estrada de ferro em que não se viaja e que, por conseguinte, não se gasta, não se consome, não é mais que uma estrada de ferro dynamei, e não é efetiva. Sem produção não há consumo, mas sem consumo tampouco há produção. O consumo produz de uma dupla maneira a produção.

K. Marx -  Para a crítica da Economia Política

quarta-feira, 22 de junho de 2011

micro-entrevista 2 - o eu é um outro


paciente- doutor, eu sou bipolar.
psiquiatra- certo, ainda bem que você já sabe o que tem.


-e o que faço para me curar?
-é só usar uns remédios.


-quais?
-todos.


-como assim, todos, doutor?
-todos, ora; você vai experimentando um a um.


-até que  um  dê certo?
-isso.


-e se nenhum der certo?
-é que o erro  é você.


-obrigado, doutor.
-que nada.
A vida só é possível num universo longe do equilíbrio.(...) (...) A questão do tempo está na encruzilhada do problema da existência e do conhecimento.

Ilya Prigogine - do livro O fim das certezas
SUGESTÃO DE  LIVRO:

STENGERS, Isabelle, A invenção das ciências modernas, tradução de Max Altman, S. Paulo, Ed. 34, 2002.

Um livro  complexo e por isso "essencial" para entender a relação da política com as ciências.

terça-feira, 21 de junho de 2011

A política partidária está  liquidada como expressão singular das subjetividades em luta.O que fazer daqui pra frente? Não venha me dizer que o devir acabou....Isso cheira à entrega, ao niilismo, à depressão, à melancolia...ou então que  formas de lutas serão possíveis? O estado, o partido, o sindicato, são formas sociais ultrapassadas.  Outras organizações serão possíveis, desde que o desejo funcione como produção e não como produto. Estou trabalhando com as palavras. Sei que  a luta é dura e inglória. Mas persigo meu sangue nas veias. E isso não é uma metáfora. Metáforas enganam. São representações da realidade e não a realidade!


Antonio
O que define o trágico é a alegria do múltiplo, a alegria plural.


G. Deleuze - do livro Nietzsche e a filosofia
Comunicação com os psiquiatras? Sem chance. Eles adotaram o corporativismo médico, a pretensa hegemonia em saúde mental, as respostas epistemológicas  simplórias sobre a loucura, o menosprezo pelos demais técnicos em saúde mental, a arrogância do poder médico, o ressentimento paranóide acerca da luta anti-manicomial, a negação (no sentido psicanalítico) dos horrores do século XIX cometidos contra os loucos, a reificação do cérebro,  as alianças  políticas com as indústrias internacionais dos psicofármacos, a produção de doenças para que eles próprias possam medicá-las, o cientificismo à serviço de uma imbelicidade programada como Verdade dos tempos atuais, o gosto por serem médicos carregadores do sistema de trocas generalizadas e  geradoras da pobreza universal. Acrescente-se nenhuma culpa ou responsabilidade individual. Não dissemos, ainda assim, nem um terço, ou menos que isso,  contra a psiquiatria e o o seu modo predatório em relação às  singularidades existenciais.

Antonio Moura
recado para o  amigo Isac:


o futebol se aproxima da vida
roça uma irreversibilidade radical 
é trágico
como a alegria de um gol
nos descontos


um dia  a lei, contudo,  estabeleceu  suas garras
em prol da moral do mercado
e da morte consentida


levou  alguém
para o sacrifício


sem desculpa
nem culpa
a diferença em psiquiatria
                                  
para o meu amigo daniel drummond
que tem  sobrenome de poeta
quero dizer que não sou um anti-psiquiatra


antes,um  psiquiatra clínico à procura
da  diferença sem consciência


sequer a  intencionalidade resolve isso
mas  sim o riso irresponsável
o que me faz 


produzir
universos




Antonio
nélson rodrigues
vive nos dribles
mais loucos
de um matador
número nove


ainda hoje escuto
sua torcida alucinada


Antonio
                                                          
                                                                Saulo Silveira

segunda-feira, 20 de junho de 2011

A percepção de direita é aquela que se apóia em um ponto fixo e privilegiado, que funciona como seu suporte subjetivo: o ego do sujeito. (...) (...) A percepção de esquerda, ao contrário, é aquela que toma como ponto  de  partida não o ego ou o sujeito, mas sim aquilo que nenhum círculo ou conjunto é capaz de conter: o fora. A percepção de esquerda parte do absoluto.

Elton Luiz - Letra G, de Gilles
Havia torres naquele titânico cume montanhoso, horrendas torres abobadadas e incalculáveis fileiras e grupos diferentes de qualquer obra sonhável pelo homem; muralhas e terraços de espanto e ameaça, tudo minúsculo, escuro e distante contra a faraônica dupla coroa de estrelas que cintilava malevolamente no limite do alcance da vista. Coroando essa mais imensurável das montanhas havia um castelo que excedia qualquer pensamento mortal e nele brilhava a luz demoníaca. Randolph Carter soube então que sua procura havia chegado ao fim e que via acima de si a meta de todos os passos interditos e visões audaciosas, a fabulosa, a incrível morada dos Grandes no topo da desconhecida Kadath. 

H. P. Lovecraft - do livro " À procura de Kadath"
A terapia cognitivo- comportamental ...1-usa o ego do paciente como referência para ações cotidianas; 2-usa o ego do terapeuta para  mandos e comandos sobre essas ações cotidianas; 3-não considera os processos subjetivos enquanto multiplicidades, singularidades intensivas ; 4-é adaptativa ao meio e,  por consequência,   às relações sociais estabelecidas pelo capitalismo reinante. 5-adota únicamente o paradigma científico (teórico-experimental), desprezando a contribuição do pensamento filosófico e do pensamento artístico; 6-ignora a pulsação desejante a  qual "sustenta"  os sistemas de crenças das estruturas cognitivas; 7-faz conexão político-acadêmica com a psiquiatria biológica e farmacológica; 8- usa os próprios transtornos codificados pela psiquiatra neuro-biológica, tais com toc, t. do pânico, t. alimentatres, t. do humor, entre outros, para referendar  seus resultados terapêuticos;9-considera e parte(em seus trabalhos prático-conceituais) de uma Realidade irrefutável e eterna,  utilizada como Verdade e "inoculada" no paciente; 10-auto-intitula-se de  breve e assim eu   espero que seja no devir-histórico das escolas de psicoterapia.


Antonio Moura

domingo, 19 de junho de 2011

Quem pode manter a miséria e a  desterritorialização-reterritorialização das favelas, salvo polícias e exércitos poderosos  que coexistem com as democracias?  Que social-democracia não dá  a ordem de atirar quando a miséria sai do seu território ou gueto? 

Deleuze-Guattari - do livro "O que é a filosofia?"
                                                          
                                                                    Kandinsky
Em psiquiatria clínica, é possível usar poucas associações medicamentosas? Elas embotam o paciente e o psiquiatra. Nestes casos, um diagnóstico revelador do que se passa, costuma ser descartado. Se, além do mais, for difícil captar a vivência mórbida, ficar na espreita do acontecimento já é um ganho ético. Escutar o vento nas orelhas do paciente. Ou apenas contemplar o que ele diz e o que se vê. Isso basta para começar o trabalho de garimpagem dos signos. Percutir as linhas do desejo talvez faça surgir algo que não anseie por fármacos.

Antonio Moura - do livro "Trair a psiquiatria", a ser publicado
Aquele que tem muita alegria deve ser um homem bom: mas talvez não seja o mais inteligente, embora alcance aquilo a que o mais inteligente aspira com toda sua inteligência.


Nietzsche - O viajante e sua sombra
Dias depois chegou uma jovem psiquiatra que também foi cortar unhas no pátio feminino. Depois de um bom tempo a paciente lhe perguntou:
-Qual sua função aqui no hospital?
-Eu sou médica psiquiatra.
-Não pode ser, você me escuta!


(narrado por Antonio Lancetti no livro "Clínica peripatética") 

sábado, 18 de junho de 2011

Deixa-se psicanalisar, acredita-se falar e aceita-se pagar por essa crença. Mas não se tem a menor chance de falar. A psicanálise é toda ela feita para impedir as pessoas de falarem e para retirar todas as condições de enunciação verdadeira.


Gilles Deleuze e Claire Parnet - do livro "Diálogos"
Fiquem tranquilas as autoridades. No Brasil jamais haverá epidemia de cólera. Nosso povo morre é de passividade.


Millor Fernandes
                                                                  Van Gogh
Início de entrevista - o eu é um outro


-Por que você, apesar de ser psiquiatra,  critica a psiquiatria ?
-É o contrário: critico a psiquiatria  não apesar de ser,  mas  por ser psiquiatra.


-Dá para dizer qual é o principal problema da psiquiatria?
-Ela não tem problemas. Ela é um problema. Isso não é um mal, ao contrário.


-Qual a relação entre o pensamento e a psiquiatria?
-Nenhuma.


-Obrigado.
-Não há de que.





É preciso reconhecer então que a moral substituiu a religião como dogma e que a ciência tende cada  vez mais a substituir a moral.


G. Deleuze - Nietzsche e a filosofia

sexta-feira, 17 de junho de 2011

aviso 


caro colega
ao encontrar um  paciente
esteja certo:
            a loucura está  presente
sem remédio
identidade 
ou forma 

então pegue um vírus
atire no acaso
que você estará
curado




Antonio Moura
Minha hipótese : o sujeito como multiplicidade.


F. Nietzsche  em "A vontade de poder"
O remédio químico parece ser a saída dos males civilizatórios. Do admirável mundo novo aos dias atuais., a psiquiatria desponta como representante de um conservadorismo com ares de ciência exata. A capacidade de manobra política junto ao estado e ao mercado não deixa de impressionar. Há uma espécie de imbecilidade programada que circula como verdade. O paciente, situado na ponta dos efeitos subjetivos do capital, responde ok à fabricação de si mesmo. Uma tarefa do técnico em saúde mental se mostra, pois, um desafio impossível e lúcido.


Antonio Moura - do livro "Trair a psiquiatria", a ser publicado.