Excerto da auto-entrevista - nº 1 sobre a Clínica da diferença - 30/08/2007
Pergunta- O que é a Clínica da diferença?
Resposta –É um pensamento imediatamente prático, voltado ao paciente e à sua realidade. Há, aqui, um paradoxo intencional; uso o termo “pensamento” pois considero as abstrações teóricas perfeitamente inseridas na afirmação de práticas clínicas e mais que isso, em práticas de vida. A clínica é tão só um recorte num campo muito mais vasto do que os aparelhos teóricos das ciências biológicas, ou mesmo humanas querem nos fazer acreditar. Para se chegar ao paciente, muitos instrumentos conceituais podem servir. O critério passa a ser ético-estético e político. A técnica vem “depois”.
P- Você poderia detalhar um pouco mais as ações práticas?
R- Sim. Esquematicamente, posso dizer que um trabalho prático em saúde mental se baseia na concepção do paciente a partir da vivência no lugar do sintoma. Do encontro no lugar do exame. E do diagnóstico-função no lugar do diagnóstico-essência. Esses três conceitos interagem entre si na construção de territórios de vida, ou seja, onde e por onde o paciente constrói a si mesmo e seu mundo de forma singular.
P- É possível detalhar melhor esses conceitos?
R- De forma resumida, posso dizer que a Vivência prioriza o sentimento que o paciente experimenta em relação a si, ao mundo e até sobre sua suposta doença. Aí se produz o desejo. O Encontro seria a ligação que se estabelece entre o paciente e o técnico, na medida em que este último de fato deseje ajudá-lo. Por último, o Diagnóstico-função é uma “leitura”, sempre parcial, do que acontece ao paciente, voltada para objetivos funcionais do concreto imediato. Sendo assim, ele poderá mudar, a depender das circunstâncias.
P- Você citaria outros elementos teóricos importantes?
R- Há muitos elementos que deverão ser criados à medida em que se produza uma prática. Posso citar , por exemplo, ainda no interior de um certo dualismo, que ao invés do cérebro, coloco a subjetividade. No lugar dos fármacos, a psicoterapia (ou as psicoterapias). Contudo , é bom registrar que nem o cérebro nem a farmacologia são negados ou recusados, mas, ao contrário, inseridos numa proposta mais ampla na qual a transdisciplinaridade é o fio condutor do método, ou o próprio método.
P- A partir de que autores você estrutura essas idéias?
R- Haveria que citar muitos nomes. Contudo, destaco os que são, sem dúvida, essenciais para construção da base teórica: Michel Foucault, Gilles Deleuze e Félix Guattari. Acrescento também a contribuição da Análise Institucional (Gregório Baremblitt, entre outros) e o pensamento de Jacob Levi Moreno, criador do psicodrama.
P-O seu discurso é contra a psiquiatria?
R- De modo algum. A psiquiatria jamais é recusada em sua contribuição científica e tecnológica. Trata-se de outra coisa. Ela é, isto sim, interpelada e posta no seu “devido lugar”, submetida às injunções sócio-histórico- político-econômicas. Buscamos retirar o caráter de essência intocável do saber psiquiátrico e conectá-lo com saberes múltiplos vindo de áreas heterogêneas. Assim, talvez seja possível “oxigenar” as concepções e as práticas psiquiátricas sobre os transtornos mentais. Essa é a idéia.
P- Como você vê o uso dos psicofármacos em patologia mental?
R-Considero uma opção terapêutica muito útil na medida que sejam observados critérios clínicos como a ética, o diagnóstico, as circunstâncias do atendimento, a relação de poder médico-paciente, entre outros.
P- Na sua proposta, há um uso insistente do termo “subjetividade”. Por quê?
R- Na verdade, a subjetividade em Saúde Mental costuma ser considerada a partir do que a psiquiatria, enquanto instituição hegemônica, estabeleceu. Ou seja, haveria uma “subjetividade-doente mental” vista como fato natural. Tudo gira em torno desta premissa, inclusive os que lidam com o paciente e o próprio paciente. Eles passam a ser psiquiatrizados. No entanto, outras subjetividades existem, pelo menos virtualmente, esperando apenas condições para se afirmarem. E tal afirmação só virá com práticas sociais concretas.
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