quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

Excerto  da  auto-entrevista - nº  1    sobre  a  Clínica  da  diferença -  30/08/2007 

Pergunta- O que  é  a Clínica  da  diferença?

Resposta –É  um pensamento  imediatamente  prático,  voltado  ao  paciente  e  à  sua realidade. Há, aqui,  um   paradoxo  intencional; uso   o  termo “pensamento”  pois considero  as abstrações  teóricas  perfeitamente  inseridas na  afirmação  de práticas clínicas  e  mais que  isso, em práticas  de vida. A clínica  é  tão  só  um recorte  num campo muito  mais  vasto  do que  os aparelhos  teóricos  das  ciências   biológicas,  ou   mesmo humanas  querem nos fazer acreditar.  Para se   chegar  ao  paciente, muitos  instrumentos  conceituais podem servir. O critério passa  a ser  ético-estético e político. A  técnica  vem “depois”.

P- Você  poderia detalhar   um pouco  mais  as  ações  práticas?
R- Sim.  Esquematicamente, posso  dizer  que um trabalho  prático   em saúde  mental   se  baseia na   concepção do  paciente a  partir  da   vivência  no  lugar     do sintoma.  Do  encontro  no  lugar     do  exame. E do  diagnóstico-função no lugar  do diagnóstico-essência. Esses três  conceitos  interagem entre  si  na  construção de  territórios de vida, ou  seja, onde  e por onde o paciente  constrói   a  si  mesmo  e  seu  mundo de forma  singular.

P- É possível  detalhar   melhor  esses  conceitos?
R- De forma  resumida, posso   dizer  que  a Vivência  prioriza  o sentimento  que  o paciente  experimenta  em relação a si, ao  mundo e  até  sobre   sua  suposta  doença. Aí   se  produz    o  desejo. O Encontro  seria a ligação que  se estabelece  entre  o paciente   e o técnico, na  medida em que  este último  de fato    deseje    ajudá-lo. Por  último, o Diagnóstico-função é  uma  “leitura”, sempre parcial, do que  acontece  ao  paciente, voltada  para  objetivos  funcionais do  concreto  imediato.  Sendo assim, ele  poderá  mudar,     a  depender  das circunstâncias.
P- Você   citaria    outros  elementos  teóricos  importantes?
R- Há  muitos  elementos   que    deverão  ser  criados  à  medida  em que  se   produza  uma  prática. Posso  citar , por  exemplo,  ainda no interior  de  um certo  dualismo, que ao  invés   do  cérebro,  coloco   a subjetividade. No lugar  dos  fármacos, a psicoterapia  (ou as  psicoterapias).  Contudo , é  bom  registrar  que  nem o cérebro   nem   a farmacologia são  negados  ou  recusados, mas, ao  contrário, inseridos numa  proposta mais ampla na  qual a  transdisciplinaridade é  o fio condutor do  método, ou  o próprio  método.
P- A  partir   de  que  autores  você   estrutura  essas  idéias?
R- Haveria   que  citar  muitos  nomes. Contudo, destaco os  que  são, sem  dúvida, essenciais  para  construção    da  base  teórica:  Michel Foucault, Gilles  Deleuze  e Félix  Guattari. Acrescento também  a  contribuição  da  Análise  Institucional (Gregório Baremblitt, entre outros) e o pensamento  de  Jacob  Levi  Moreno, criador  do  psicodrama.
P-O seu  discurso  é contra  a psiquiatria?
R-  De modo  algum. A  psiquiatria  jamais  é  recusada   em sua  contribuição  científica  e tecnológica.  Trata-se de  outra  coisa. Ela é, isto sim, interpelada e  posta  no seu  “devido  lugar”,  submetida  às  injunções sócio-histórico- político-econômicas. Buscamos  retirar  o caráter de essência  intocável do  saber  psiquiátrico e    conectá-lo  com  saberes múltiplos vindo de áreas  heterogêneas. Assim, talvez  seja   possível “oxigenar” as concepções e  as  práticas   psiquiátricas  sobre os  transtornos mentais. Essa  é  a idéia.

P- Como  você    vê  o  uso  dos  psicofármacos  em patologia  mental?
R-Considero uma opção  terapêutica  muito  útil  na  medida  que sejam observados  critérios  clínicos como a ética,  o diagnóstico, as  circunstâncias  do  atendimento, a relação de poder  médico-paciente, entre  outros.

P-  Na sua  proposta,  há um uso insistente  do termo “subjetividade”. Por  quê?
R- Na verdade, a  subjetividade  em Saúde  Mental costuma  ser  considerada a  partir do que  a psiquiatria, enquanto  instituição hegemônica, estabeleceu. Ou seja, haveria   uma “subjetividade-doente mental”   vista   como  fato    natural. Tudo  gira  em torno desta  premissa, inclusive  os  que  lidam  com o paciente e  o próprio  paciente.  Eles   passam a ser  psiquiatrizados.  No entanto, outras  subjetividades  existem, pelo  menos  virtualmente, esperando apenas condições para se afirmarem. E tal  afirmação  só  virá   com  práticas  sociais concretas.

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