terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

AFIRMAR UMA  DIFERENÇA

Evitando   seguir  a tendência da psiquiatria  biológica  em   dosar o  humor, afirmamos que  é  preciso  escutar   o  paciente,  captar   o que  se passa   na   vivência  de si e  do  mundo. O humor  baixo, à medida em que espalha o   seu  efeito  nocivo, efeito  anti-vida, muda  a  configuração clínica. Associa-se à ansiedade, às  alterações  do nível da consciência e  até   aos  sintomas psicóticos  - delírios  e alucinações.  Este  dado  é  importante na  formulação  de uma  hipótese diagnóstica   que   se  ache   ancorada na entrevista. Aí  os  signos  são  emitidos e é  onde  o psiquiatra se  arrisca a pensar a  diferença  e  os  detalhes que  escapam ao  molde pessoal ou nos  casos em que o  paciente  já  chega  com  um diagnóstico. Óbvio, é  difícil  ignorar  os   efeitos  do diagnóstico  pronto   sobre  a  produção de  signos do  quadro  psicopatológico. O  caso do  humor  é  emblemático pois coincide com   um  momento histórico   de  grande  morbidade dessa  patologia. A palavra  “depressão”  é  usada largamente,  tanto pelo discurso especializado quanto  pelo leigo. No  primeiro  caso, as diferenças entre  uma síndrome  (ou  transtorno)   depressivo   e um sintoma  depressivo são ignoradas.  As conseqüências  sobre o tratamento medicamentoso   costumam  ser    desastrosas.  No  segundo  caso,  o termo  “depressão” é  usado para  nomear  qualquer  situação que  implique  problemas  mentais,  o que  se  observa  no senso comum  e   na  anamnese.  
O  encontro com o paciente substitui  o exame, já  que  o paciente    “se  sustenta”   pelos  afetos. O  exame não  capta  os  afetos.   Ele    busca  visibilidades.  Mas  a  mente   não  é  visível,  mensurável  ou    palpável.  O    humor  é    o   afeto  que  mais se aproxima de uma “mensuração”. Há     graus de variação   a   respeito  .  Desse  modo,   a opção  pela  pesquisa do  humor  não  deixa  de considerar a  sua  importância  semiológica. A  clínica do  Humor é uma prática que  se impõe, às vezes  de forma  positivista,  fabricando  deprimidos  crônicos no  lugar  de  subjetividades  potentes. Deprimidos  crônicos ou ex-deprimidos agudos.  Contudo, para  além  do  humor,  afetividades  insistem.  O  problema  é: quem  as  detecta?  Os  afetos  são mais profundos  que  o  humor,  se   ligam   às  crenças   e   é  através  delas que  o paciente obtém uma consistência básica para  existir. “Eu acredito”, diria alguém, mas  “acredita  em quê?”(...)

Antonio Moura-do livro Trair a psiquiatria

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