AFIRMAR UMA DIFERENÇA
Evitando seguir a tendência da psiquiatria biológica em dosar o humor, afirmamos que é preciso escutar o paciente, captar o que se passa na vivência de si e do mundo. O humor baixo, à medida em que espalha o seu efeito nocivo, efeito anti-vida, muda a configuração clínica. Associa-se à ansiedade, às alterações do nível da consciência e até aos sintomas psicóticos - delírios e alucinações. Este dado é importante na formulação de uma hipótese diagnóstica que se ache ancorada na entrevista. Aí os signos são emitidos e é onde o psiquiatra se arrisca a pensar a diferença e os detalhes que escapam ao molde pessoal ou nos casos em que o paciente já chega com um diagnóstico. Óbvio, é difícil ignorar os efeitos do diagnóstico pronto sobre a produção de signos do quadro psicopatológico. O caso do humor é emblemático pois coincide com um momento histórico de grande morbidade dessa patologia. A palavra “depressão” é usada largamente, tanto pelo discurso especializado quanto pelo leigo. No primeiro caso, as diferenças entre uma síndrome (ou transtorno) depressivo e um sintoma depressivo são ignoradas. As conseqüências sobre o tratamento medicamentoso costumam ser desastrosas. No segundo caso, o termo “depressão” é usado para nomear qualquer situação que implique problemas mentais, o que se observa no senso comum e na anamnese.
O encontro com o paciente substitui o exame, já que o paciente “se sustenta” pelos afetos. O exame não capta os afetos. Ele busca visibilidades. Mas a mente não é visível, mensurável ou palpável. O humor é o afeto que mais se aproxima de uma “mensuração”. Há graus de variação a respeito . Desse modo, a opção pela pesquisa do humor não deixa de considerar a sua importância semiológica. A clínica do Humor é uma prática que se impõe, às vezes de forma positivista, fabricando deprimidos crônicos no lugar de subjetividades potentes. Deprimidos crônicos ou ex-deprimidos agudos. Contudo, para além do humor, afetividades insistem. O problema é: quem as detecta? Os afetos são mais profundos que o humor, se ligam às crenças e é através delas que o paciente obtém uma consistência básica para existir. “Eu acredito”, diria alguém, mas “acredita em quê?”(...)
Antonio Moura-do livro Trair a psiquiatria
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