terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

A  desnaturalização  do  paciente  
                                                              
A  clínica psicopatológica tornou-se a clínica psicofarmacológica. Isso não é um mal em si, mas um fato da cultura médica  que incide sobre o  trabalho com o paciente. Em termos  empíricos, o próprio  paciente torna-se  um produto de forças institucionais; elas  fabricam a clínica e por extensão o paciente.  Tais forças  se explicitam na  psiquiatria,  são  a  psiquiatria  .  No espaço do atendimento, do exame, do encontro com o paciente, elas   se concretizam  como rostidade  farmacológica.  É  um regime de aparência corporal,  semiótica,   que traça uma  linha terapêutica antes mesmo de começar o tratamento. As psicoses,  por excelência,    são  objeto   desse processo  de  rostificação. A cena extremada,  o paciente  impregnado  por   neurolépticos  (alterações  extra-piramidais)  e outros  signos  menos perceptíveis, compõem a visibilidade do espaço clínico. Assim, fazer  psiquiatria nos dias atuais tem  a opção farmacológica como  palavra de ordem: prescreva mais  e mais  remédios químicos. Isso não  vale apenas   para os que estão científico  e   juridicamente   autorizados a  fazê-lo, mas para todos os  que lidam com a loucura. Nosso foco pode ser a  chamada “equipe técnica” em saúde mental. Todos medicam,  todos estão medicados,   medicalizados   numa  produção subjetiva  inconsciente e incessante. Isso é de uma  tal obviedade que se esconde em cotidianos naturalizados. Uma espécie de ordem  programada se impõe como desejo psiquiátrico  único e  totalizante. Ora, o desejo não é individual, não é uma essência ou um atributo exclusivo  de alguém.  Ao contrário,  é coletivo  e só  se mostra   individual   como  produto de um segmento dominante. A  forma-psiquiatria é  este   segmento dominante no funcionamento da equipe.  Não importa que os psiquiatras se sintam desconfortáveis com o avanço  da luta antimanicomial   . Afinal,   a psiquiatria mantém um  status   baseado  na medicina,   o  que   opera   efeitos concretos,   entre eles, o da farmacologização  subjetiva. Há uma fabricação do rosto do paciente que    funciona em oposição ao rosto   normal (...).  


Antonio Moura

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