A desnaturalização do paciente
A clínica psicopatológica tornou-se a clínica psicofarmacológica. Isso não é um mal em si, mas um fato da cultura médica que incide sobre o trabalho com o paciente. Em termos empíricos, o próprio paciente torna-se um produto de forças institucionais; elas fabricam a clínica e por extensão o paciente. Tais forças se explicitam na psiquiatria, são a psiquiatria . No espaço do atendimento, do exame, do encontro com o paciente, elas se concretizam como rostidade farmacológica. É um regime de aparência corporal, semiótica, que traça uma linha terapêutica antes mesmo de começar o tratamento. As psicoses, por excelência, são objeto desse processo de rostificação. A cena extremada, o paciente impregnado por neurolépticos (alterações extra-piramidais) e outros signos menos perceptíveis, compõem a visibilidade do espaço clínico. Assim, fazer psiquiatria nos dias atuais tem a opção farmacológica como palavra de ordem: prescreva mais e mais remédios químicos. Isso não vale apenas para os que estão científico e juridicamente autorizados a fazê-lo, mas para todos os que lidam com a loucura. Nosso foco pode ser a chamada “equipe técnica” em saúde mental. Todos medicam, todos estão medicados, medicalizados numa produção subjetiva inconsciente e incessante. Isso é de uma tal obviedade que se esconde em cotidianos naturalizados. Uma espécie de ordem programada se impõe como desejo psiquiátrico único e totalizante. Ora, o desejo não é individual, não é uma essência ou um atributo exclusivo de alguém. Ao contrário, é coletivo e só se mostra individual como produto de um segmento dominante. A forma-psiquiatria é este segmento dominante no funcionamento da equipe. Não importa que os psiquiatras se sintam desconfortáveis com o avanço da luta antimanicomial . Afinal, a psiquiatria mantém um status baseado na medicina, o que opera efeitos concretos, entre eles, o da farmacologização subjetiva. Há uma fabricação do rosto do paciente que funciona em oposição ao rosto normal (...).
Antonio Moura
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