DEVIR-FEITICEIRO
O psiquiatra se despersonaliza. Torna-se algo que se torna outra coisa. Vive nos e dos paradoxos da linguagem que o empurram a encontrar o paciente, o mundo, o cosmos. Não compreende o que se passa. Perplexo, interroga e interroga-se. Dança e entoa em silêncio cânticos extraídos do fundo de vielas existenciais. Não busca uma ontologia da psicose e/ou dos transtornos mentais. Ele talvez consiga ser um feiticeiro da modernidade técnica, criando linhas de pura alegria (ainda e principalmente) nas quedas e surtos dos pacientes e de si mesmo. O método da diferença traz essa possibilidade para o interior da clínica. Os fármacos podem (claro que sim!) ser parceiros numa empreitada sem signos prévios. Use e controle essa droga lícita, sabendo que ela pode se tornar ilícita se atentar contra a criatividade do seu viver. Não só a química, mas todo e qualquer objeto pode induzir a uma dependência abjeta. O psiquiatra-feiticeiro não é esse objeto. O psiquiatra remedeiro, sim. Este se alimenta de subjetividades enrijecidas, esvaziadas, ocas, trastes apelidados de pacientes. É preciso, pois, um combate incessante contra a máquina farmacológica. O fármaco é apenas um elemento prático-terapêutico. Um devir-feiticeiro conta com outros elementos: a sensibilidade, a intuição, a percepção do invisível,o senso de observação, a escuta do silêncio, a espreita, todo um conjunto de dispositivos... (...)
Antonio Moura - do livro Trair a psiquiatria
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