quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

DEVIR-FEITICEIRO

O  psiquiatra  se  despersonaliza. Torna-se  algo que  se   torna  outra  coisa.    Vive  nos e  dos   paradoxos  da linguagem que o  empurram a    encontrar  o  paciente, o  mundo,   o  cosmos.  Não  compreende  o que se  passa. Perplexo, interroga e interroga-se.    Dança   e  entoa  em silêncio  cânticos    extraídos  do fundo    de   vielas    existenciais.   Não  busca  uma  ontologia  da  psicose  e/ou  dos transtornos   mentais.  Ele  talvez  consiga ser  um  feiticeiro    da  modernidade  técnica, criando linhas  de  pura alegria (ainda  e  principalmente)   nas  quedas  e surtos dos  pacientes  e  de  si  mesmo.  O método da diferença  traz essa possibilidade para  o interior  da  clínica. Os fármacos podem (claro  que  sim!)   ser parceiros  numa   empreitada   sem signos  prévios.  Use  e  controle  essa  droga  lícita, sabendo que   ela  pode se  tornar  ilícita  se atentar  contra  a    criatividade  do   seu  viver.  Não só  a química,  mas  todo  e qualquer  objeto  pode  induzir a uma dependência  abjeta.  O  psiquiatra-feiticeiro  não é  esse objeto.  O psiquiatra  remedeiro,  sim. Este   se  alimenta  de  subjetividades  enrijecidas,  esvaziadas,  ocas,  trastes apelidados  de pacientes.  É  preciso, pois,   um combate incessante contra  a máquina farmacológica.  O  fármaco é   apenas um elemento   prático-terapêutico.  Um  devir-feiticeiro   conta  com outros  elementos: a sensibilidade,  a intuição, a percepção  do invisível,o  senso de observação,  a  escuta do  silêncio,  a espreita,   todo um conjunto  de dispositivos... (...)

Antonio Moura - do livro Trair a psiquiatria

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