quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

PROIBIDO DESEJAR

A  larga  utilização de psicofármacos   em associações   variadas     borra  a  linha abstrata  que  divide  os  doentes dos  não-doentes. Para a  psiquiatria  atual  tudo  é psiquiatrizável.   Esta   sentença  diagnóstica ocupa o lugar de poder respectivo ao enunciado.  Importa   que   o  paciente seja   medicado e adaptado. O  afeto  é  secundário  à  tal    manobra    terapêutica   porque  ele   foi   posto  como  consciência   do   sentimento   no pacote nosológico. Se  todos  são  julgados de   antemão     doentes, não interessa saber   o que efetivamente  sentem (qual o afeto?) e  sim o que  fazem... É  um regime  paranóico guiado pela  razão: desconfiar da afetividade. Esta  não  é mensurável;  um  modelo de  pensar    desconsidera  até mesmo   condições  evidentes  de sofrimento    como  as  da   depressão   e    da  angústia. Esses  afetos  têm  formas  de  expressão  extremamente  variadas, nuances clínicas  finas, imperceptíveis  a um  olhar normatizador. Eles  resistem  a um  cadastramento semiológico. Por  isso, muitas  vezes    ficam excluidos da  avaliação ou  incluidos numa  espécie  de  “rostidade  clínica”  . Transtorno  do humor  ou de  ansiedade? Uma   reificação  dos  sintomas, um  endurecimento  dos  signos da doença,uma  forma  de trabalho  do pensamento da  representação.  Não importa  pesquisar  as  singularidades  de  cada  caso. O que    está  em jogo   é  o  conceito de  doente  como  ser  improdutivo  e não o de loucura.  Isso   nos  remete à  questão  do  louco e à   sua  conduta social. O conceito  de  louco  está na  base  da  construção  histórica  do  conceito  de  doente  mental, o que    implica  na negação enviesada  do  da     loucura  como  conceito  não  médico  e por isso   irrelevante  para  a    clínica  psicopatológica  . A figura  do louco,  substituida  na  atualidade  pela  do  portador  de  transtorno mental, cumpre, entre  outras,   a função de  desviar  o foco  de  pesquisa  da  loucura (portanto, do pensamento) para a clínica moral (a  técnica  pura).   É uma  maquinaria institucional lastreada  em  rituais  acadêmicos e  inscrita    num corporativismo  profissional (...)

Antonio Moura - do livro Trair a psiquiatria

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