sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

O QUE É O NOVO?

As multiplicidades constituem a própria realidade do Encontro. É delas, com seus materiais (signos) que saem os processos de singularização, linhas de aprendizado. São vivências que extrapolam o ser-subjetivo. Não há, pois, um recipiente pronto a recolher os conteúdos, ao modo da educação bancária, tão criticada por Paulo Freire. Mas também não existe uma consciência intencional que se dirige ao objeto e a ele se liga numa manobra do ser-no-mundo. Ao contrário, são as multiplicidades que precedem o sujeito-aluno. Mais: são elas que o produzem  através de  linhas invisíveis, abstratas, mas não menos atuais. Falamos de um campo virtual de problematização do ensino. Vamos para além do dualismo milenar professor-aluno  na busca das práticas de vida.  Trata-se da imanência das questões, ou, o que quer dizer o mesmo, das verdadeiras questões do ensino e por conseguinte, do aprendizado. O que   é aprender? Para que aprender? Como aprender? Com que  práticas sociais  esse aprendizado irá se conectar? Conexões a serviço de que ou de quem? Saímos do âmbito da escola e seu contexto funéreo, vamos ao mundo em  suas indeterminações radicais. É claro que a escola está no mundo, mas aqui no referimos ao mundo caotizado  das  velocidades infinitas das determinações institucionais, formas sociais gestadas a partir de matérias sem  forma, puras moléculas em trânsito. Extraimos do dispositivo-aula devires que o ultrapassam. A sala de aula não está mais contida no enquadre escolar e não mais recria a cena gasta do professor falando a seus discípulos. Ela se abre ao encontro do Novo, mesmo que este já esteja aí, no interior do seu funcionamento mais minucioso e nem por isso, menos captável.
Se considerarmos o ensino mais  técnico e objetivo (fazer algo,digamos, auscultar um tórax) o devir-aluno estará presente como aquilo que se desfaz sempre para se fazer logo em seguida. Professor, comece a mesma aula do semestre passado como se fosse a primeira vez. O frescor do saber que sai pela fala do mestre traz o sabor do Novo. Tornar  interessante o que se ensina começa a partir de  tudo o que é velho. Repetir ,balbuciar e gaguejar a língua, não a fala, para enunciar algo diferente, será possível?  “Sim, uma linguagem afetiva, intensiva, e não mais uma afecção daquele que fala”   . Para tocar as  multiplicidades   dispostas num campo de ensino, é preciso que a fala do mestre entre em contato com o limite da língua, daí, com o seu “fora” e o seu silêncio. O Novo não é dado, ele é produção de linhas curvas e incertas. Que se considere  o devir-aluno como uma  irrupção demoníaca  na própria configuração do Encontro. Estamos, pois, muito distantes da máquina binária referida  e muito perto das forças do inconsciente institucional circulando entre as cabeças, entre os papéis e nas relações de poder.    Como vimos, o pensamento  é uma linha estendida entre a arte, a ciência e a filosofia, sendo nesta última  o acontecimento “pensar” aquilo  que   alarga e faz alargar as dimensões múltiplas do processo de aprendizado.  A sala de aula é o mundo  com seus aparelhos, com seus dispositivos de domesticação de almas.  Mas o devir-aluno é  mais que o aluno como pessoa; ele  segue os fluxos do aprender antes do ensinar. Não aprender as certezas e as opiniões  prontas do homem médio, mas sim algo que muda imperceptível e veloz como o próprio tempo. Captar este “imperceptível” do tempo é tornar-se o tempo irreversível  dos atos de ensino que são ao mesmo tempo atos de aprendizado.  Rigorosamente, não o Novo como um objeto ou objetivo a ser alcançado, e sim como a própria materialidade do espírito, a consistência da passagem, da “duração”, do tempo que não se vê, mas que se sente.  Tornar-se aluno e mestre de si mesmo requer a multiplicação dos eus, o esquecimento da história pessoal, e como  diz ainda Castañeda,  a parada do diálogo interno. Toda uma bruxaria santa, todo um  ritmo da natureza encravado nas falas mais artificiais e incômodas. É um estilo isso de ser não sendo,  esse nomadismo no mesmo espaço e ao mesmo tempo já em Júpiter ou Urano,  velocidades  aceleradas  para os seres lentos que somos.  O pensamento voa. Um exemplo de aula: enquanto aqui eu falo da esquizofrenia-doença, aí em vocês  e sobre vocês o pensamento percorre continentes, cidades, países, amores, e a aura do invisível cobre esse itinerário tão secreto quanto estranho. Esquizofrenizar o pensamento, ele  já  esquizofrênico por si mesmo, desde que não há nascedouro, só um meio onde tudo começa e  flui, é  aprender a pensar .  Tudo já estava lá, ou aí, ou aqui, e é mudando a natureza das multiplicidades ( o Novo, enfim) que o aprendizado dos signos se faz. 

Antonio Moura - do livro Linhas da diferença em psicopatologia

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