quarta-feira, 14 de novembro de 2012

HUMORES QUÍMICOS

Um exame do humor pode explicitar o roteiro da diferença.  Os afetos  precedem  o  humor. Este   é um  tipo de afeto resultante de forças múltiplas :  bioquímicas, psíquicas,  sociais, coletivas, etc.  O  pesquisador (obtuso) da mente prioriza  a primeira  força  em nome do  ideal asséptico  da ciência positivista. Tudo é cérebro como origem. Trata-se de  um reducionismo fabricado em nome da razão médica. Ao inverso,buscamos detectar afetos sutis que só se expressam   (grosseiramente)  como depressão, e  daí se inscrevem num rebaixamento da vitalidade. Isso pode  ser a  depressão como “doença” ou  tão apenas uma síndrome ou  uma reação depressiva  às circunstâncias sócio-metafísicas. De todo modo, o encontro com  os  afetos  busca a intensidade dos mesmos a partir das condições  subjetivas do  paciente. Qualquer um pode  deprimir à  medida em que vivencia a cultura  da culpa inscrita  na carne. Somos todos  cristãos e deprimidos. O paciente traz o  humor como um dado que muitas vezes lhe  foi  inculcado: “sou bipolar”. Trata-se  de um processo de subjetivação psiquiátrica que  se impõe como verdade  diagnóstica.  Devires são  cortados.O humor hipotímico  “evolui” para um grau de  vitalidade compatível  com  a  doença psiquiátrica: ausência da vontade de viver. Como  recusar o grito desesperado do paciente? Claro que há outras depressões,  talvez  não  tão graves, mas  necessitadas  de atenção e acolhimento. No ato  do  encontro é possível diferenciá-las  em função da  demanda por  ajuda. O humor  não  é como a “glicose”, portanto  a sua medição  não  é  a  “glicemia”. O humor é o desejo em uma de suas  expressões  traduzidas num  contexto. É a chave  semiológica para o psiquiatra  se acercar do SEU paciente. Liame existencial de desigualdade vital, espaço de patologia  confirmada, desnível com o mundo social, a “dosagem” do humor confere ao psiquiatra autoridade para sobrepor-se ao outro, pondo-se como paradigma da normalidade. Assim, conforme o  modo de subjetivação psiquiátrica, o humor atravessa condutas, pensamentos, percepções,  falas, etc, perfazendo o deprimido como um  dado a priori. Isso recai  na constituição de uma  entidade  clínica, “transtorno do humor”, que se corporifica em traços de rostidade,  se  possível objetivados em  gráficos e  tabelas  de análise.  
(...)
A.M.

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