quinta-feira, 31 de janeiro de 2013


o espírito da coisa
a carne do espírito
o cerne da coisa
a carne da coisa
a coisa do espírito

litros de sangue
corredeiras  e  enchentes

A.M.

O QUE É ESCREVER?

Escrever não é certamente impor uma forma (de expressão) a uma matéria vivida. A literatura está antes do lado do informe, ou do inacabamento, como Gombrowicz o disse e fez. Escrever é um caso de devir, sempre inacabado, sempre em via de fazer-se, e que extravasa qualquer matéria vivível ou vivida. É um processo, ou seja, uma passagem de Vida que atravessa o vivível e o vivido. A escrita é inseparável do devir: ao escrever, estamos num devir-mulher, num devir-animal ou vegetal, num devir molécula, até num devir imperceptível.
(...)
G. Deleuze, do livro Crítica e Clínica

VIDAS SECAS (1953) - Nelson Pereira dos Santos



O MUNDO E NÓS

"Aos que trazem muita coragem a este mundo, o mundo quebra a cada um deles e alguns ficam mais fortes nos lugares quebrados. Mas aos que não se deixam quebrar, o mundo os mata. Mata os muito bons, os muito meigos, os muito bravos – indiferentemente.
Se não pertenceis a nenhuma dessas categorias morrereis da mesma maneira, mas então não haverá pressa alguma em matá-lo".

Ernest Hemingway do livro Adeus às Armas

DENIS NOLET



QUAL SOFRIMENTO?

1- A instituição da doença mental produz um sentimento (sintoma)  para  o psicótico. A psiquiatria   é  a ponta avançada que cuida  desse sentimento.2-A vivência do psicótico nada  tem a ver com este sentimento.Ela tem a ver com os afetos da loucura, portanto não codificados e não codificáveis pelos cânones da razão  burguesa e utilitária. Eles  lhe  escapam. A rigor, não há uma, mas “n” vivências psicóticas.3- O encontro do psicótico com a psiquiatria é um mau  encontro porque a ação terapêutica (em geral,  farmacoterápica) elimina  o sintoma e com ele a possibilidade de adentrar às  suas linhas  vivenciais.4- Não adentrando  às linhas  vivenciais, o paciente  não  está  sendo tratado, e sim, controlado.5-Fica  caracterizado o modo psiquiátrico  de  subjetivação  na  pessoa do  portador de transtorno  mental, em especial, o psicótico  crônico.  6-A participação da  família  funciona como território existencial e caução  moral  para  um sistema de  crenças  não-delirantes. 7- Por fim, há dois sofrimentos  psicóticos: um, composto por afetos  vivenciados num  mundo abstrato, afetos  inumanos e não nomeáveis. O  outro,  um sentimento de ser  doente que é secretado pela máquina psiquiátrica como gestão de uma consciência  alienada. 8- Uma  clínica das psicoses comprometida  com a terapêutica  e não  com o controle  do  paciente, terá que  optar pelo encontro com um dos dois  sofrimentos.
(..)
A.M.

ARNALDO ANTUNES - Socorro



"Elá virá, a revolução conquistará a todos o direito não somente ao pão mas, também, à poesia."

Leon Trotsky

.

dia de ação de graças, 28 de novembro de 1986

agradeço pelo peru selvagem e os pombos passageiros, destinados a virar merda nas saudáveis tripas americanas.

agradeço por um continente a espoliar e envenenar.

agradeço pelos índios por garantirem uma módica dose de desafio e perigo.

agradeço pelas vastas manadas de bisões para matar e depelar e depois deixar as suas carcaças à putrefação.

agradeço pelos troféus de caça de lobos e coiotes.

agradeço pelo sonho americano, por inventar lorotas até que elas brilhem à luz do dia.

agradeço pela klu klux klan. aos policiais que matam negros e os contabilizam. às decentes beatas de igreja com suas mesquinhas, interesseiras, feias e perversas caras.

agradeço pelos adesivos de “mate uma bicha em nome de jesus cristo.

agradeço pela aids de laboratório.

agradeço pela proibição e pela guerra contra as drogas.

agradeço por um país onde a ninguém é permitido cuidar da seus próprios problemas.

agradeço por uma nação de dedos-duros.

agradeço, sim, todas as lembranças – ok, deixa eu ver o que você tem nas mãos!

você foi sempre uma dor de cabeça e uma encheção de saco.

agradeço pela última e maior traição do último e maior sonho dos sonhos humanos.


william burroughs (tradução de leo gonçalves)


CONTRA O BIOLOGISMO

Nem todas as ideias erradas são dignas de se contestar. Existem algumas, porém, que não podem ser ignoradas. Aquelas que interpretam erroneamente questões de suprema importância, ou atrapalham nosso pensamento sobre elas, ou têm sérias consequências, devem ser discutidas.

Uma dessas ideias é a de que os seres humanos são essencialmente animais; ou no mínimo muito mais animalescos do que havíamos pensado. Ela leva a alegações de que somos apenas macacos inteligentes, de que nossas mentes não passam de sinais elétricos no cérebro.

Existem inúmeras manifestações desse "biologismo". Ele é explicado em milhares de livros e artigos sobre a chamada neuroestética, teoria dos memes, neurodireito e em abordagens neuroevolucionistas da política e da economia. Seus defensores afirmam, por exemplo, que somos capazes de compreender melhor a arte visual rastreando o cérebro para estudar sua reação, ou que a criminalidade é melhor explicada por um desequilíbrio entre os lobos frontais e o corpo amigdaloide.

Passei mais de 30 anos argumentando contra o biologismo, e recentemente escrevi "Aping Mankind: Neuromania, Darwinitis and the Misrepresentation of Humanity" ['Macacando' a humanidade: Neuromania, darwinite e a representação errônea da humanidade]. A principal suposição que sustenta o biologismo é que os seres humanos são essencialmente organismos, em vez de pessoas. Para realmente compreendê-los, diz a teoria, é preciso admitir que eles não são agentes conscientes, mas pedaços de matéria viva sujeitos às leis da biosfera.

O biologismo tem duas correntes, que eu chamo de neuromania e darwinite. A neuromania se baseia na crença de que a consciência humana é idêntica à atividade cerebral. Existem, é claro, correlações entre a atividade cerebral e aspectos da consciência. Estas podem ser demonstradas observando-se que partes do cérebro se "acendem" quando os sujeitos relatam determinadas experiências. No entanto, isso não quer dizer que a atividade neural é uma causa suficiente desses aspectos da consciência: que, por exemplo, os eventos vistos no córtex orbitofrontal quando vemos um objeto bonito sejam toda a causa de nossa experiência da beleza, e ainda menos que eles sejam nossa experiência da beleza.

Na verdade, não há uma explicação neural concebível de muitos aspectos da consciência humana. Um registro de impulsos neurais não pode explicar a simultaneidade e multiplicidade de um momento. Estou consciente, por exemplo, da tela do computador à minha frente, das letras que se espalham por ela, da luz do sol lá fora e de pássaros cantando. Essas coisas são experimentadas separadamente, e no entanto como pertencentes a um único momento presente. Este muitos-em-um é uma noz muito mais dura de quebrar do que o mistério da Trindade.

Mais importante ainda, a atividade neural não oferece explicação sobre a fonte da "referencialidade": a qualidade essencial da consciência, que significa que minhas percepções, crenças e esperanças se referem a algo diferente de impulsos neurais. A referencialidade dos conteúdos da consciência - que os filósofos tradicionalmente chamam de "intencionalidade" - é plenamente desenvolvida nos seres humanos, que são conscientes de si mesmos como separados de seus mundos de objetos, signos e conceitos. E a intencionalidade é a origem última da esfera humana: a comunidade de mentes, tecida por um trilhão de apertos de mão cognitivos ou atenção compartilhada, dentro da qual nossa liberdade opera e nossas vidas narradas são conduzidas.

O outro pilar do biologismo - a darwinite - também decorre do erro de identificar a mente com o cérebro. Se o cérebro é um órgão que evoluiu para otimizar as probabilidades de sobrevivência, segundo essa teoria, a mente também é. A darwinite, consequentemente, confunde a evolução biológica da espécie com o desenvolvimento de nossa cultura. A teoria da evolução descreve os processos da seleção natural que sem dúvida deram origem ao Homo sapiens. Mas é errado concluir que se aceitarmos essa teoria também teremos de procurar uma explicação evolucionista da gênese e da forma da cultura humana.

Mas a darwinite é ainda mais vulnerável a ataques que a neuromania. Veja a diferença entre uma hora de vida animal e uma hora de vida humana. Admito que apreciar a diferença é mais difícil quando falamos em linguagem que animaliza o comportamento humano e humaniza o comportamento animal. Daisy, a vaca, bate em um arame elétrico e a partir de então o evita. Eu decido que quero melhorar minhas chances na vida, então me matriculo em um curso que começa no ano que vem e contrato uma babá para que eu tenha mais tempo para estudar. Tanto Daisy como eu podemos ser descritos como praticantes do "comportamento aprendido", mas isso oculta diferenças profundas. Estas incluem meu complexo sentido de tempo e o fato de que estou lidando com estruturas e hábitos abstratos. Nós conduzimos nossas vidas, regulando-as por narrativas compartilhadas e individuais, enquanto os animais meramente as vivem.

Muitas pessoas acreditam que o biologismo decorre inevitavelmente da teoria evolucionista. As pessoas muitas vezes pensam que sou um criacionista ou um prosélito de alguma religião. Para constar, sou um ateu humanista, um médico e neurocientista para quem a ciência é nosso maior monumento intelectual. Sou um agnóstico ontológico, não um dualista cartesiano. Só porque eu nego a identidade da mente com a atividade cerebral, não significa que eu considere a mente como um fantasma no maquinário do cérebro.
(...)
Raymmond Tallis

Liberdade

Ai que prazer
Não cumprir um dever,
Ter um livro pra ler
E não o fazer!
Ler é maçada,
Estudar é nada.
O sol doira
Sem literatura.

O rio corre, bem ou mal,
Sem edição original.
E a brisa, essa,
De tão naturalmente matinal,
Como tem tempo não tem pressa…

Livros são papéis pintados com tinta.
Estudar é uma coisa em que está indistinta
A distinção entre nada e coisa nenhuma.

Quanto é melhor, quando há bruma,
Esperar por D. Sebastião,
Quer venha quer não!

Grande é a poesia, a bondade e as danças…
Mas o melhor do mundo são as crianças,
Flores, música, o luar e o sol, que peca
Só quando, em vez de criar, seca.

O mais do que isto
É Jesus Cristo,
Que não sabia nada de finanças
Nem consta que tivesse biblioteca.

Fernando Pessoa

quarta-feira, 30 de janeiro de 2013


GOZAR, GOZAR

"Tenho de saciá-la, pensei, fazê-la gozar repetidas vezes, usar minha capacidade de ficar com o pênis ereto um tempo infindável sem gozar, meu prazer é secundário. A velha dúvida me assaltou - generosidade ou exibicionismo? - apenas por alguns instantes (...) Claro que chegava um momento em que eu tinha um orgasmo. Este orgasmo era menos para me dar prazer do que para deixar uma marca viscosa que demonstrasse, para a minha parceira, que eu também me envolvera profundamente na relação. As pessoas acreditam nos sinais exteriores do gozo."

Rubem Fonseca

FRANK SINATRA e LIZA MINELLI - New York, New York


ÉTICA NÃO-IDEALISTA

Devir é expandir-se, diferenciar-se.  Não há garantia institucional para tais  ações.  Elas  arriscam  no  vácuo  o recado de uma novidade incerta. O paciente sem rosto,a vida subjetiva  se  mostrando às  micro-sensibilidades que circulam entre o paciente e o psiquiatra. Escutar, escutar não  sob uma grade edipiano-cerebral, mas à espreita do novo, do inesperado, do indeterminado, do  bizarro. O acontecimento é uma linha de perigo e por isso "a passagem". Examinar um  paciente  é  encontrá-lo  no seu mundo, por mais  longínquo que  seja. Isso exige tempo,  paciência e desejo .Uma ética do Encontro precede toda  técnica. Quem a suporta?
(...)
A.M.
                                                                                                                                                                         

MONET



Os marginais sempre nos causaram medo,e um pouco de horror. Eles não são o bastante clandestinos (...)

G. Deleuze e C.Parnet - do livro Diálogos

SEM LEI

“Uma idéia nova nunca pode caminhar dentro da lei. Pouco importa se esta idéia diz respeito às mudanças políticas ou sociais, ou a qualquer outro domínio de pensamento e expressão humana – a ciência, literatura, música; na realidade, tudo aquilo que se direciona a liberdade, regozijo e à beleza, tem que se negar a caminhar dentro da lei. Como poderia ser diferente? A lei é estacionária, fixa, mecânica, ‘uma roda de biga’ que esmaga tudo pela frente, sem levar em conta a hora, lugar e condições, sem levar em conta causa e efeito, sem nunca entrar nas minúcias da alma humana.”

 Emma Goldman
IMPASSES NA CLÍNICA

O deprimido vive o "endurecimento" do presente. O passado lhe condena e o futuro lhe ameaça. Resta o presente como uma espécie de refúgio ao devir. A depressão é um anti-devir, tentativa (obviamente)  fracassada de fazer parar o tempo. Desse modo, ela  se instala e circula por todas  as partes onde o devir coagula. O meio são estas partes, instituições molares onde reinam identidades fixas. Não se vive, não se cria, não se sente, mas se sobrevive. O organismo físico-químico, devidamente fabricado, mensurado e comercializado pelo biopoder médico, é uma dessas instituições. Suas couraças musculares (Reich) alimentam-se do consumo automático de uma subjetividade quimicamente induzida. Como, então, fazer a diferença num mundo indiferenciado?

A.M.


TITÃS - Comida



"Só acredito nas pessoas que ainda se ruborizam"

Nelson Rodrigues

JEANNE MOREAU - Entrevista



Um partido para Marina chamar de seu

Marina Silva é igual a Gilberto Kassab. Pode, à primeira vista, não parecer: ela tem uma história de vida respeitabilíssima, um passado glorioso. Mas Marina, hoje, é igual a Kassab.

Exatamente como Kassab, Marina vai fazer um novo partido.

O país não precisa de mais um partido político. Quem precisa é Marina. Marina não quer um partido para defender uma plataforma, um ideário – quer um partido para chamar de seu.

Marina se revela uma caudilha. Caudilhinha verde, com passado de glória e cara de pureza angelical cuidadosamente ensaiada, mas caudilha.

Há no Brasil 30 partidos políticos registrados no Tribunal Superior Eleitoral, todos com direito ao fundo partidário (pago com o nosso dinheiro) e horário na TV e no rádio (dito gratuito, mas na verdade pago com o nosso dinheiro).

Há vários partidos que se dizem socialista, comunista, verde, “dos trabalhadores” – as áreas em que Marina transitou ao longo da vida. Mas nenhum deles serve para ela. Quer um só dela. Afinal, ela teve uns 20 milhões de votos nas eleições presidenciais de 2010.

Na época, estava no Partido Verde, após ter abandonado o PT porque o PT não dava a menor pelota para ambiente. Como acha que é muito maior do que o PV, vai criar um novo.

Ainda não se definiu pelo nome. Poderia ser Partido da Marina Silva, PMS – será que já existe uma sigla PMS entre as 30 registradas? –, mas aí talvez fosse dar bandeira demais. Poderia, talvez, ser PN, de Partido Natureza, ou Partido Natureba, ou Partido Natura.

Nome é de somenos importância. Algum ela haverá de achar.

Mas, e assim propriamente quanto às ideias, à posição ideológica, aos princípios, às propostas para o Brasil?

Ah, mas esse negócio de princípio interessa a alguém?, ela poderá perguntar, com aquela carinha estudadamente cândida. Se o Kassab pôde criar do nada um partido que não é de esquerda, nem de centro, nem de direita, e obter a terceira maior bancada da Câmara de Deputados, por que Marina, tão mais pura, história de vida muito mais rica do que aquele sujeito que começou a carreira política na Associação Comercial de São Paulo, não poderia?

Marina tem o mesmo sobrenome do presidente mais popular de todos os tempos e de todas as latitudes e longitudes. O partido dela poderia se chamar PS – Partido dos Silva.

Ao fundar um partido só para chamar de seu, Marina Silva dá uma força imensa ao movimento suprapartidário que visa a tornar a política partidária brasileira cada vez mais pobre – e cada vez mais desprezada pela população.

É de fato um movimento suprapartidário. Os 30 partidos políticos brasileiros formam hoje um Senado e uma Câmara de uma indignidade como nunca se viu nesta República, e provavelmente em nenhuma outra.

As duas casas estão para eleger como presidentes homens cuja biografia está mais para folha corrida policial do que currículo.

Como mostrou pesquisa do Ibope feita para O Estado de S. Paulo, de 1988 para cá caiu de 61% para 44% o número de brasileiros que dizem preferir alguma das tantas siglas partidárias.

Trinta partidos parecem unidos na perseguição de um único ideal: o de disseminar entre os eleitores um profundo nojo pela política.

Não é um belo cenário. Na verdade, é um cenário suicida.

Sérgio Vaz



Que a palavra parede não seja símbolo
de obstáculos à liberdade
nem de desejos reprimidos
nem de proibições na infância
etc. (essas coisas que acham os 
reveladores de arcanos mentais)
Não.
Parede que me seduz é de tijolo, adobe
preposto ao abdômen de uma casa.
Eu tenho um gosto rasteiro de 
ir por reentrâncias
baixar em rachaduras de paredes
por frinchas, por gretas - com lascívia de hera.
Sobre o tijolo ser um lábio cego.
Tal um verme que iluminasse.

Manoel de Barros

WILLIAM TURNER

O declínio do Império cartaginês


O 18 BRUMÁRIO DE LUIS BONAPARTE: UMA LEITURA FUNDAMENTAL


Fevereiro de 1848. Na segunda Revolução Francesa, a aliança entre correntes burguesas republicanas e o proletariado derruba Luis Filipe de Orléans e reintroduz a República. Três anos e meio depois, a 2 de dezembro de 1851, Luis Bonaparte – sobrinho de Napoleão e presidente em final de mandato – apoiado pela burguesia e pelos militares, dissolve a Assembleia Legislativa, manipula um plebiscito que ratifica o Golpe de Estado e afoga em sangue a insurreição popular, em Paris. No ano seguinte, outro plebiscito proclama-o Imperador da França, sob o nome de Napoleão III. Serão seis anos de poder absoluto e mais 13, à base de concessões políticas.
O sobrinho imitava o tio, 52 anos depois! Em referência tanto ao Golpe de Estado com que Napoleão, em 9 de novembro de 1799 – 18 de brumário, pelo Calendário Revolucionário francês – evitou a ascenção das massas ao poder, quanto às diferenças de grandeza entre as figuras chaves dos dois momentos, Karl Marx aprofunda Hegel e afirma que os fatos e personagens importantes da História ocorrem, sim, duas vezes, “mas a primeira como tragédia e a segunda como farsa”. E chama ironicamente o Golpe de 1851 de o 18 de brumário de Luís Bonaparte.
Exatamente com este título, Marx publicou, em 1852, um de seus mais brilhantes textos teórico/políticos, que forma ao lado de O Capital e do Manifesto do Partido Comunista (este escrito com Engels) a base do Materialismo Histórico Dialético. O 18 Brumário de Luís Bonaparte é exatamente a teoria aplicada à prática, que, por sua vez, realimenta e ilumina a teoria. O livro não apenas narra, mas investiga por dentro os acontecimentos e relaciona, dialeticamente, os choques entre classes e frações de classes, e o papel das lideranças.
Em sua análise, ainda no rescaldo dos acontecimentos, Marx divide-os em três períodos: o revolucionário, a partir da revolução de fevereiro de 1848; o da Assembleia Constituinte, de maio de 1848 a maio de 1849; e o da Assembleia Nacional Legislativa, de maio de 1849 ao Golpe de Estado.
O primeiro é um período de indecisão entre as forças momentaneamente aliadas. Ao objetivo burguês limitado de reforma eleitoral que amplie o círculo privilegiado do poder, contrapõe-se a vontade do proletariado, que levantara as barricadas contra a monarquia e a fizera debandar. Entretanto, a vontade do proletariado – uma república social que chegou a ser proclamada – não correspondia à real correlação de forças. O grau de politização das massas, a força material disponível, os apoios possíveis, nenhuma das circunstâncias indispensáveis eram suficientes para a revolução proletária, naquele momento.
Daí a famosa e aguda observação de Marx de que “os homens fazem sua própria história, mas não a fazem como querem; não a fazem sob circunstâncias de sua escolha e sim sob aquelas com que se defrontam diretamente, legadas e transmitidas pelo passado”.
Começa o segundo período, o da república burguesa. A burguesia industrial governará em nome do povo. Seus aliados: aristocracia financeira, pequena burguesia, camadas médias, intelectuais de prestígio, campesinato, exército, clero – e, como tropa de choque, o lumpen-proletariado. As reivindicações proletárias são barradas. A insurreição de junho de 1848 é violentamente reprimida: 3 mil mortos e 15 mil deportados. O proletariado tenta, em diversos momentos, retomar a ofensiva, mas cada vez com menos força.
Paris fica sob estado de sítio, o que influirá na redação da Constituição. Em 10 de dezembro, Luis Bonaparte é eleito presidente. Em maio de 1849, a Assembleia Constituinte é dissolvida antes do prazo, por pressão dos setores mais conservadores da aliança burguesa.
No terceiro período, todas as forças se enfrentarão na Assembleia Legislativa. Luis Bonaparte manobra habilmente para aumentar seu poder, apoiado na reacionária Sociedade 10 de Dezembro. Ele rouba 25 milhões do Banco da França, compra generais, organiza seus asseclas, dissolve a Assembleia e encarcera os poucos resistentes. O proletariado já não tem nem força nem interesse em defender uma instituição desmoralizada. Luis Bonaparte assume o poder ditatorial. É um golpe sem grandeza e sem coragem. Marx o ironiza impiedosamente, na comparação com os golpes anteriores de Cromwell, na Inglaterra, e do primeiro Napoleão.
A derrota da República é a derrocada da burguesia como classe dominante. A ditadura apoia-se no lumpen e no campesinato – embora se pretenda defensora da “ordem burguesa”. A contradição provoca confusão na economia, anarquia em nome da ordem. Os ideais de 1848 estão jogados na lama.
O extraordinário texto de O 18 Brumário de Luis Bonaparte é ao mesmo tempo uma aula de análise histórica dialética e denúncia política do oportunismo burguês. Luis Bonaparte morreu exilado em 1873, mas a glória tardia de ter o nome ligado a uma obra prima do marxismo pode servir de consolo à sua triste memória.

Luis Felipe Oiticicca

NEUROMANIA

P-Por que estamos tentando explicar tudo pela neurociência? 

R-Em parte por causa dos extraordinários avanços da área depois de mais pesquisadores terem acesso a equipamentos de ressonância magnética funcional [que tira “fotografias” da atividade do cérebro]. Eu mesmo fiz minhas contribuições para a neurociência. Só que essa evolução no entendimento do cérebro faz com que as pessoas confundam o fato de a atividade cerebral ser uma condição necessária para a consciência com a noção de que ela em si seria a própria consciência. É o que chamo de neuromania: achar que tudo que somos se deve ao cérebro e que a neuroatividade é a mesma coisa que nossa consciência. (grifo nosso)
(...)
Raymmond Tallis - neurocientista

ED MOTTA - Vamos dançar


POESIA COMO REPETIÇÃO

A linguagem poética fere de morte o princípio de identidade do discurso inteligível da técnica e da razão sapiente.Isso desconcerta a clínica do cérebro. Abram alguns e lá estará o rigor mortis. Enfim, um método infalível. Ele gargalha sobre a última  fronteira. Que se passa? Outra coisa, ainda bem: há poesia injetada em agulhas finas. A linguagem  desliza: criança, poeta, louco, vidente, artista, a  tralha  dos sem-eu, todos descem pelo conta-gotas da resposta aos  sintomas. Não há como se explicar aos cientistas. O tecido poético cria muito antes da medição dos contornos da hipófise. É matriz e argamassa das construções exatas sobre o funcionamento dos neurônios do baixo clero. Precisamos de mais poesia, mais, até saturar os átomos da cabeça pensante. 
(...)
A.M.

Arte é ilusão, pois eu não ajo

Fico ou Parto – com constante alegria
Meus pensamentos, embora céticos, são sagrados
Santa prece para o conhecimento ou puro fato.

Então enceno a esperança de que posso criar
Um mundo vivo em torno de meus olhos mortais
Um triste paraíso é o que imito
E anjos caídos cujas asas perdidas são suspiros.

Neste estado não mundano em que me movimento 
Minha Fe e Esperança são diabólica moeda corrente
Em mundos falsificados, cunho pequenos donativos
Em torno de mim, e troco minha alma por amor.

Allen Ginsberg

Gurgel: acusação contra Lula vai ao MP essa semana
(Estadão)

O procurador-geral da República, Roberto Gurgel, afirmou nesta terça que poderá remeter ainda nesta semana para o Ministério Público que atua na Justiça de Primeira Instância as acusações do empresário Marcos Valério Fernandes de Souza contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
"Acredito que isso será feito nos próximos dias", afirmou. "Estou apenas concluindo a análise para que possa efetivamente verificar se não há qualquer pessoa com prerrogativa de foro envolvida e, em não havendo, como o ex-presidente já não detém essa prerrogativa de foro, a hipótese será de envio à Procuradoria da República em primeiro grau", disse.



terça-feira, 29 de janeiro de 2013


Apaixonada,
saquei minha arma,
minha alma, 
minha calma,
só você não sacou nada.

Ana Cristina César

REMÉDIOS ATÉ  A MORTE

O prazer do médico pela melhora  do paciente tem uma conexão íntima  com o “passar remédio”. Talvez   seja uma obviedade dizer, mas na psiquiatria esse ato se reveste de um poder sobre a existência e/ou conduta social de alguém. Fazer uma prescrição é influir diretamente num organismo doente que precisa ser adaptado ao convívio social. A crença é a de se estar promovendo  uma vida,  portanto, criando. Não se percebe o engano  embutido; o paciente não é redutível a um organismo visível,  sob pena de engessá-lo no circuito das  respostas prontas. 
(...)
A.M.

MARIO NAVARRO

Sol de Verão em Veneza

segunda-feira, 28 de janeiro de 2013


UMA ETIOLOGIA TRANSFATORIAL

As multiplicidades são o real da vida. Esta não é uma afirmação abstrata. Basta observar uma criança, um artista, lembrar dos sonhos mais surpreendentes, ou apenas considerar as infinitas possibilidades de agir no  mundo. Partimos do múltiplo e só entendemos a etiologia ampliada em três dimensões. Parece simples, O orgânico, o psíquico e o coletivo. Como separá-los? Lamentamos dizer que a pergunta não se aplica, porque não há como separá-los. O único modo de lidar com isso é o modo trans. Misturar os saberes numa espécie de sopa caósmica (sem ecletismo) em prol de uma posição ético-estética. A favor do paciente, o Encontro, enfim, poderá acontecer.Sem isso, permaneceremos fiéis á Conserva, como diria Moreno.E a etiologia ficará restrita à órbita da ciência e suas tecnologias triunfantes. O espaço do pensamento criador, da sensibilidade, da intuição, torna-se um espaço recortado em mais uma máquina binária: os que sabem ciência e os que não sabem. Ao contrário, uma lógica trans ou uma visão transdisciplinar trabalha com hipóteses etiológicas que se interpenetram e se somam. Isso basta. É o fim das hierarquias (...)

A.M.

DOR E LUTO POR MORTE DE JOVENS NO BRASIL


DA BÍBLIA DO CAOS

Agora, que já avançamos pelo século XXI, podemos fazer um pequeno balanço do que o século XX nos legou.

1. O atropelamento. 
2. O salto suicida do décimo andar. 
3. O envenenamento pela radioatividade. 
4. A estupidificação pela televisão. 
5. A queda do avião. 
6. A democratização da aids. 
7. A poluição, tornando verdadeira a frase "O mar não tá pra peixe". 
8. O escorregão na Lua. 
9. A morte no CTI. 
10. A possibilidade de um final feliz, todo mundo acabando junto.

Millor Fernandes


Aos Nossos Filhos

Elis Regina
Composição: Ivan Lins/Vitor Martins

Perdoem a cara amarrada, 
Perdoem a falta de abraço, 
Perdoem a falta de espaço, 
Os dias eram assim... 

Perdoem por tantos perigos, 
Perdoem a falta de abrigo, 
Perdoem a falta de amigos, 
Os dias eram assim...

Perdoem a falta de folhas, 
Perdoem a falta de ar 
Perdoem a falta de escolha, 
Os dias eram assim...

E quando passarem a limpo, 
E quando cortarem os laços, 
E quando soltarem os cintos, 
Façam a festa por mim...

E quando lavarem a mágoa, 
E quando lavarem a alma 
E quando lavarem a água, 
Lavem os olhos por mim... 

Quando brotarem as flores, 
Quando crescerem as matas, 
Quando colherem os frutos, 
Digam o gosto pra mim... 

Digam o gosto pra mim...

ZIMBO TRIO - Samba De Uma Nota Só


domingo, 27 de janeiro de 2013


O SOBREVIVENTE

Impossível compor um poema a essa altura da evolução da humanidade.
Impossível escrever um poema – uma linha que seja – de verdadeira poesia.
O último trovador morreu em 1914.
Tinha um nome de que ninguém se lembra mais.

Há máquinas terrivelmente complicadas para as necessidades mais simples.
Se quer fumar um charuto aperte um botão.
Paletós abotoam-se por eletricidade.
Amor se faz pelo sem-fio.
Não precisa estômago para digestão.

Um sábio declarou a O Jornal que ainda falta
muito para atingirmos um nível razoável de
cultura. Mas até lá, felizmente, estarei morto.

Os homens não melhoram
e matam-se como percevejos.
Os percevejos heróicos renascem.
Inabitável, o mundo é cada vez mais habitado.
E se os olhos reaprendessem a chorar seria um segundo dilúvio.

(Desconfio que escrevi um poema)

C. D. de Andrade

O humor do poeta, por Luis Fernando Veríssimo

“O fantasma é um exibicionista póstumo.” 
“Pertencer a uma escola poética é o mesmo que ser condenado à prisão perpétua.”
“Os verdadeiros crimes passionais são os sonetos de amor.”
“A coisa mais solitária que existe é um solo de flauta.”
“A verdadeira couve-flor é a hortênsia.”
“A modéstia é a vaidade escondida atrás da porta.”
“A vista de um veleiro em alto-mar remoça a gente no mínimo uns cento e cinquenta anos.” 
“Atenção! O luar está filmando.”
“A alma é essa coisa que nos pergunta se a alma existe.” 
“Os clássicos escreviam tão bem porque não tinham os clássicos para atrapalhar.”
“‘Le penseur’ do Rodin... Coitado. Nunca se viu ninguém fazendo tanta força para pensar.”
“A natureza é barroca, o sonho é barroco... O que teriam vindo fazer neste mundo as colunas gregas?”
“O mais triste da arquitetura moderna é a resistência dos seus materiais.”
“O crítico é um camarada que contorna uma tapeçaria e vai olhá-la pelo lado avesso.”
“A expressão mais idiota que existe é ‘adeusinho’.”
“Não sou mais que um poeta lírico,/Nada sei do vasto mundo.../Viva o amor que eu te dedico,/Viva Dom Pedro Segundo!”

As frases e os pensamentos acima não são nem do Millôr Fernandes nem do Ivan Lessa, são de outro humorista brasileiro que também já morreu: Mario Quintana.

Estão no livro “Do caderno H”, que a Alfaguara está publicando junto com toda a obra poética do Quintana, uma compilação do que ele escreveu, durante anos, na sua seção do “Correio do Povo” de Porto Alegre.

Quem já gostava do Quintana poeta vai gostar de descobrir que ele era um dos melhores humoristas do seu tempo.

GILLES DELEUZE : O que é criar?


sábado, 26 de janeiro de 2013

MENSAGEM AOS TÉCNICOS EM SAÚDE MENTAL (NÃO-MÉDICOS)

Considere o paciente antes de toda moral julgadora.  Lembre-se que a existência é puro devir, e por isso, vertigem. Esta é uma  posição metafísica que busca apreender a passagem  do tempo como sendo a própria  subjetividade. A medicina não sabe disso, não sabe do que se trata pois  trabalha essencialmente com objetos sólidos. Não é um mal-em-si, mas um dado metodológico que a distancia do paciente. Saia, portanto, da ótica médica, marcada pela ciência experimental, pelo mecanicismo newtoniano e pela adesão ao mercado de consumo desenfreado. Adote uma  posição  ético-estética. Despsiquiatrize-se.  Os fluxos que animam o corpo do paciente  são os do desejo-rizoma. Experimente amar antes que o amor. Faça o acontecimento. Não há fórmulas ou protocolos. Arrisque...Ou então, tome a benção  ao doutor... e peça autorização para existir...

A.M.

Uma reflexão sobre o texto de Karl Marx “Trabalho assalariado e capital” (fragmento)

 1. Salário

O texto trata inicialmente sobre o que é salário, trata dos diferentes valores que recebem cada operário por hora que trabalham ou pelo tipo de trabalho que empregam, recebem mais ou menos salário por isso.
Os operários vendem seu trabalho ao capitalista, mas na verdade não é isso que ocorre, eles vendem sua força de trabalho. Os operários vendem sua força de trabalho em troca de dinheiro, e esse dinheiro representa sua própria força de trabalho que é trocada por outras mercadorias que ele necessita, como: carne, leite, pão, etc, e esse é o preço do trabalhador.
O salário que o operário recebe não é fruto do produto que produziu, mas do dinheiro que o capitalista tinha de reserva antes de o operário produzir a peça, portanto, o operário não tem participação dos lucros na peça que produziu, pois o capitalista já comprou anteriormente sua força de trabalho para produzi-la.
A força de trabalho do operário é uma mercadoria que esse operário oferece ao capitalista, pois ele vende a preço baixo porque necessita para sobreviver. O que o trabalhador produz para si não é o produto final que ele realiza, mas sim, o salário que ele recebe.
Mas nem sempre a força de trabalho foi considerada mercadoria, os escravos, por exemplo, trabalhavam e não recebiam por isso, eles próprios eram a mercadoria. E sua força de trabalho não era sua, mas do proprietário a quem pertencia.
O operário é livre, mas vende-se a si mesmo, como num leilão onde quem paga mais fica com sua força de trabalho, sua única fonte de rendimentos. Renuncia dessa forma sua existência, pois ele não é um operário para os capitalistas, é uma força de trabalho.

Kelen Campos Benito

o jogo dos acasos
o acaso dos encontros
oh vida
venha
sente-se aqui

A.M.

CHICO e CAETANO - Tatuagem/Esse cara



O Torcedor do América F. C.

O desábito de vencer 
não cria o calo da vitória; 
não dá à vitória o fio cego 
nem lhe cansa as molas nervosas. 
Guarda-a sem mofo: coisa fresca, 
pele sensível, núbil, nova, 
ácida à língua qual cajá, 
salto do sol no Cais da Aurora.

João Cabral de Melo Neto

MICHAEL e INESSA GARMASH



MENSALÃO, O MUSICAL


Com grandes espetáculos, cenários luxuosos, elencos competentes e salas lotadas em longas temporadas, os musicais se tornaram o sucesso do momento no teatro brasileiro. Em tese, qualquer tema pode inspirar um musical, bastam boas músicas e letras e uma historinha para costurar tudo. Até o mensalão daria um musical.

A abertura seria a cena verídica, relatada por José Casado, do encontro de Lula e Zé Dirceu com Roberto Jefferson para celebrar o acordo do PT com o PTB. Com bons vinhos e largos sorrisos, eles chegam para o jantar festivo na casa de Jefferson. Depois do lauto repasto, dos risos e das garrafas vazias, passam à biblioteca para o café, conhaque e charutos.

Desabado no sofá vermelho, com o olhar já meio turvo, Lula é surpreendido por Jefferson, que começa a cantar acompanhado ao piano por sua professora de canto lírico:

“Eu sei que vou te amar/ por toda a minha vida eu vou te amar/ Em cada despedida eu vou te amar/ desesperadamente eu sei que vou te amar…”

Os convidados emudecem, a voz do barítono ressoa na sala, com gestos largos e interpretação grandiosa, olho no olho de Lula, Jefferson canta a música inteira com intensa emoção e termina com a voz embargada, enquanto uma lágrima furtiva rola pela face de Lula.

Trinta políticos de vários partidos, com ternos brilhantes, gravatas medonhas e cabelos acaju, invadem a cena cantando e dançando para Lula e Jefferson:

“Ei você você aí/ me dá um dinheiro aí/ me dá um dinheiro aí.”

Segue dueto de Jefferson e Zé Dirceu em “Vou festejar”:

Jefferson: “Chora, não vou ligar/ chegou a hora/ vais me pagar/ pode chorar, pode chorar.” 
Dirceu: “É o teu castigo/ brigou comigo/ Sem ter por quê.” 
Jefferson: “Eu vou festejar/ vou festejar/ o teu sofrer/ o teu penar.” 
Os dois juntos: “Você pagou com traição/ a quem sempre lhe deu a mão.” (bis)

Dirceu canta “Segredo”, de Herivelto Martins, para Jefferson:

“Teu mal é comentar o passado/ ninguém precisa saber do que houve entre nós dois/ o peixe é pro fundo das redes/ segredo é pra quatro paredes/ primeiro é preciso julgar pra depois condenar.”

Joaquim Barbosa bate o martelo. Blackout.

Nelson Motta

quarta-feira, 23 de janeiro de 2013


PENSAR O HUMANO

Há uma dúvida se é melhor sermos amados do que temidos, ou vice-versa. Deve-se responder que gostaríamos de ter ambas as coisas, sendo amados e temidos; mas, como é difícil juntar as duas coisas, se tivermos que renunciar a uma delas, é muito mais seguro sermos temidos do que amados... pois dos homens, em geral, podemos dizer o seguinte: eles são ingratos, volúveis, simuladores, covardes e ambiciosos; eles furtam-se aos perigos e são ávidos de lucrar. Enquanto você fizer o bem para eles, são todos teus, oferecem-te seu próprio sangue, suas posses, suas vidas, seus filhos. Isso tudo até em momentos que você não tem necessidade. Mas, quando você precisar, eles viram-lhe as costas.

Maquiavel

MORAL DOS ESCRAVOS

A moral dos escravos é essencialmente uma moral de utilidade. Aqui está o foco de origem da famosa oposição "bom" e "mau" - no que é mau se sente poder e periculosidade, uma certa terribilidade, sutileza e força que não permite o desprezo. Logo, segundo a moral dos escravos o "mau" inspira medo; segundo a moral dos senhores e precisamente o "bom" que desperta e quer despertar medo, enquanto o homem "ruim" é sentido como desprezível. A opressão chega ao auge quando, de modo conseqüente à moral dos escravos, um leve aro de menosprezo envolve também o "bom" dessa moral - ele pode ser ligeiro e benévolo porque em todo caso o bom tem de ser, no modo de pensar escravo, um homem inofensivo: é de boa índole, fácil de enganar, talvez um pouco estúpido, ou seja, un bonhomme [um bom homem]. Onde quer que a moral dos escravos se torne preponderante, a linguagem tende a aproximar as palavras "bom" e "estúpido".

F. Nietzsche

terça-feira, 22 de janeiro de 2013

GAL COSTA - Ressuscita-me


A POLÍTICA


Não surpreende a sem cerimônia com que o Congresso se prepara para eleger presidentes de suas duas Casas um deputado e um senador cujas trajetórias colidem com o decoro formalmente exigido para o exercício da atividade parlamentar.

A razão da naturalidade é a pior possível: o Parlamento não se dá ao respeito e isso não causa espanto nem move forças suficientes para mudar o curso da triste história.

A menos que o inesperado faça uma surpresa, daqui a duas semanas Henrique Eduardo Alves e Renan Calheiros serão os escolhidos para presidir a Câmara e o Senado, respectivamente, pelos próximos dois anos.

Ungido por força de um acordo de rodízio entre PT e PMDB firmado ainda no governo Lula, na reta final Alves está envolto em atmosfera de irregularidades relativas à destinação de emendas e verbas de representação parlamentar.

Antes, em 2002, havia sido obrigado a abrir mão da candidatura de vice-presidente da chapa de José Serra em decorrência de informações dadas pela ex-mulher, Mônica Azambuja, em processo de divórcio litigioso, sobre depósitos de R$ 15 milhões em contas sem a devida declaração, em paraísos fiscais mundo afora.

No quesito folha corrida, Calheiros quase chega a dispensar apresentação. É alvo de investigações por crime ambiental, é suspeito de comandar emissoras de rádio por meio de testas de ferro, em 2007 foi processado por falta de decoro parlamentar porque uma empreiteira pagou a pensão da filha que teve com a jornalista Mônica Veloso, na ocasião apresentou documentos fraudulentos ao Senado para comprovar rendimentos e finalmente renunciou à presidência da Casa em troca da manutenção do mandato.

A maioria dos senadores aceitou o escambo e o inocentou na votação secreta em plenário. A maioria, agora, ao que tudo indica, não vê nada demais em reconduzi-lo ao posto para cujo exercício era tido como moralmente impedido há seis anos.

Tanto tem consciência do disparate, que Calheiros é candidato na condição de sujeito oculto: ainda não se lançou oficialmente para reduzir o tempo de exposição a eventuais protestos.

Dora Kramer

“O consumo é hoje o grande fundamentalismo” 

Milton Santos


SÃO FRANCISCO: O RIO


O INCONSCIENTE É ÓRFÃO

"Se a humanidade pode ser salva, e os originais reconciliados, é somente na dissolução, na decomposição da função paterna."

G. Deleuze- do texto Bartebly, ou a fórmula

segunda-feira, 21 de janeiro de 2013


Tecendo a Manhã

Um galo sozinho não tece uma manhã: 
ele precisará sempre de outros galos. 
De um que apanhe esse grito que ele 
e o lance a outro; de um outro galo 
que apanhe o grito de um galo antes 
e o lance a outro; e de outros galos 
que com muitos outros galos se cruzem 
os fios de sol de seus gritos de galo, 
para que a manhã, desde uma teia tênue, 
se vá tecendo, entre todos os galos.

João Cabral de Melo Neto