O 18 BRUMÁRIO DE LUIS BONAPARTE: UMA LEITURA FUNDAMENTAL
Fevereiro de 1848. Na segunda Revolução Francesa, a aliança entre correntes burguesas republicanas e o proletariado derruba Luis Filipe de Orléans e reintroduz a República. Três anos e meio depois, a 2 de dezembro de 1851, Luis Bonaparte – sobrinho de Napoleão e presidente em final de mandato – apoiado pela burguesia e pelos militares, dissolve a Assembleia Legislativa, manipula um plebiscito que ratifica o Golpe de Estado e afoga em sangue a insurreição popular, em Paris. No ano seguinte, outro plebiscito proclama-o Imperador da França, sob o nome de Napoleão III. Serão seis anos de poder absoluto e mais 13, à base de concessões políticas.
O sobrinho imitava o tio, 52 anos depois! Em referência tanto ao Golpe de Estado com que Napoleão, em 9 de novembro de 1799 – 18 de brumário, pelo Calendário Revolucionário francês – evitou a ascenção das massas ao poder, quanto às diferenças de grandeza entre as figuras chaves dos dois momentos, Karl Marx aprofunda Hegel e afirma que os fatos e personagens importantes da História ocorrem, sim, duas vezes, “mas a primeira como tragédia e a segunda como farsa”. E chama ironicamente o Golpe de 1851 de o 18 de brumário de Luís Bonaparte.
Exatamente com este título, Marx publicou, em 1852, um de seus mais brilhantes textos teórico/políticos, que forma ao lado de O Capital e do Manifesto do Partido Comunista (este escrito com Engels) a base do Materialismo Histórico Dialético. O 18 Brumário de Luís Bonaparte é exatamente a teoria aplicada à prática, que, por sua vez, realimenta e ilumina a teoria. O livro não apenas narra, mas investiga por dentro os acontecimentos e relaciona, dialeticamente, os choques entre classes e frações de classes, e o papel das lideranças.
Em sua análise, ainda no rescaldo dos acontecimentos, Marx divide-os em três períodos: o revolucionário, a partir da revolução de fevereiro de 1848; o da Assembleia Constituinte, de maio de 1848 a maio de 1849; e o da Assembleia Nacional Legislativa, de maio de 1849 ao Golpe de Estado.
O primeiro é um período de indecisão entre as forças momentaneamente aliadas. Ao objetivo burguês limitado de reforma eleitoral que amplie o círculo privilegiado do poder, contrapõe-se a vontade do proletariado, que levantara as barricadas contra a monarquia e a fizera debandar. Entretanto, a vontade do proletariado – uma república social que chegou a ser proclamada – não correspondia à real correlação de forças. O grau de politização das massas, a força material disponível, os apoios possíveis, nenhuma das circunstâncias indispensáveis eram suficientes para a revolução proletária, naquele momento.
Daí a famosa e aguda observação de Marx de que “os homens fazem sua própria história, mas não a fazem como querem; não a fazem sob circunstâncias de sua escolha e sim sob aquelas com que se defrontam diretamente, legadas e transmitidas pelo passado”.
Começa o segundo período, o da república burguesa. A burguesia industrial governará em nome do povo. Seus aliados: aristocracia financeira, pequena burguesia, camadas médias, intelectuais de prestígio, campesinato, exército, clero – e, como tropa de choque, o lumpen-proletariado. As reivindicações proletárias são barradas. A insurreição de junho de 1848 é violentamente reprimida: 3 mil mortos e 15 mil deportados. O proletariado tenta, em diversos momentos, retomar a ofensiva, mas cada vez com menos força.
Paris fica sob estado de sítio, o que influirá na redação da Constituição. Em 10 de dezembro, Luis Bonaparte é eleito presidente. Em maio de 1849, a Assembleia Constituinte é dissolvida antes do prazo, por pressão dos setores mais conservadores da aliança burguesa.
No terceiro período, todas as forças se enfrentarão na Assembleia Legislativa. Luis Bonaparte manobra habilmente para aumentar seu poder, apoiado na reacionária Sociedade 10 de Dezembro. Ele rouba 25 milhões do Banco da França, compra generais, organiza seus asseclas, dissolve a Assembleia e encarcera os poucos resistentes. O proletariado já não tem nem força nem interesse em defender uma instituição desmoralizada. Luis Bonaparte assume o poder ditatorial. É um golpe sem grandeza e sem coragem. Marx o ironiza impiedosamente, na comparação com os golpes anteriores de Cromwell, na Inglaterra, e do primeiro Napoleão.
A derrota da República é a derrocada da burguesia como classe dominante. A ditadura apoia-se no lumpen e no campesinato – embora se pretenda defensora da “ordem burguesa”. A contradição provoca confusão na economia, anarquia em nome da ordem. Os ideais de 1848 estão jogados na lama.
O extraordinário texto de O 18 Brumário de Luis Bonaparte é ao mesmo tempo uma aula de análise histórica dialética e denúncia política do oportunismo burguês. Luis Bonaparte morreu exilado em 1873, mas a glória tardia de ter o nome ligado a uma obra prima do marxismo pode servir de consolo à sua triste memória.
Luis Felipe Oiticicca
Fico contente.
ResponderExcluir