terça-feira, 8 de janeiro de 2013



TRÓPICO DE CÂNCER - Trechos

Há pessoas que não podem resistir ao desejo de entrar em uma jaula contendo animais ferozes e ser lanhadas. Entram mesmo sem revólver ou chicote. O medo torna-as destemidas... Para o judeu o mundo é uma jaula cheia de animais ferozes. A porta está trancada e ele ali está sem chicote ou revólver. Sua coragem é tão grande que nem sequer sente o cheiro do estrume no canto. Os espectadores aplaudem, mas ele não ouve. O drama, pensa, está se desenvolvendo dentro da jaula. A jaula, pensa, é o mundo. Ali em pé, sozinho e indefeso, porta trancada, ele descobre que os leões não compreendem sua língua. 

Nenhum leão até hoje ouviu falar em Spinoza. Spinoza? Mas os leões não podem sequer fincar os dentes nele. "Dê-nos carne!" rugem os leões, enquanto ele ali permanece petrificado, com as idéias congeladas, com seu Weltanschauung como um trapézio fora do alcance. Uma simples patada do leão e sua cosmogonia estará esmagada. 

Os leões também estão decepcionados. Esperavam sangue, ossos, cartilagem, nervos. Mastigam e mastigam, mas as palavras são chicle, e chicle é indigerível. Chicle é uma base sobre a qual se polvilha açúcar, pepsina, tomilho, alcaçuz. O chicle, quando colhido por chicleros, é muito bom. Os chicleros apareceram na orla de um continente afundado. 

Henry Miller

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