RELATOS DO ACASO
Relato 7- O homem dos tubos – Niterói, 1993. Eu trabalhava na enfermaria masculina do Hospital Estadual de Jururuba. Havia um paciente novo. Fora encontrado vagando pelas ruas do Rio e Niterói, andando em pequenos círculos em torno de si. Dizia procurar uns tubos que o levariam ao outro lado da Terra. A polícia o recolheu conduzindo-o ao hospital. Foi por mim examinado. Havia uma vivência delirante centralizada em torno do “problema dos tubos”. Ele não falava de outra coisa. O seu comportamento na enfermaria era apragmático, pois permanecia no pátio, parado, agachando-se e percutindo o assoalho com os pés. Dizia que de acordo com o som emitido , teria condições de afirmar se estava por identificar o local exato. Poderia ser o Japão... Foi lhe prescrito neuroléptico. Ao longo de 5 dias, o paciente evoluiu com melhora da sintomatologia, tornando-se colaborador e participando do cotidiano da enfermaria. Relacionava-se muito bem com os demais pacientes, inclusive ajudando a enfermagem nas tarefas diárias. Nossa equipe (com uma psicóloga e uma assistente social) resolveu liberar o paciente para circular fora da enfermaria, mas dentro do hospital. Sob estas condições, foi desenvolvido o trabalho da psicóloga. A família ainda não fora localizada. Sabia-se que era de Belo Horizonte. O paciente prosseguiu melhorando. Já não falava dos tubos. Novamente a equipe o liberou, desta vez para andar nas cercanias do hospital. Ele parecia outra pessoa. Certa vez, perguntei-lhe sobre os tubos. Respondeu que algum dia iria verificar, mas agora estava interessado em outras coisas. Sem dúvida, ele estava em “remissão” do sintoma delirante, ainda que não negasse por completo a existência dos tubos. Permaneceu internado por 46 dias, prazo relativamente longo em função das dificuldades de localização da família. Mas obteve alta em bom estado mental. Alguns dados a ressaltar : 1-o trabalho da equipe de toda a enfermaria que acolheu o paciente num momento de desorganização mental aguda. 2-a rápida resposta do sintoma delirante ao uso de um psicofármaco. 3-o curso que tomou a sua recuperação, na medida em que estabeleceu vínculos produtivos com as pessoas da enfermaria. 4-o “bom desempenho” de conduta ao ser liberado para circular fora da enfermaria e depois fora do hospital. 5- o lugar à margem que o delírio passou a ter, não comprometendo seus modos de expressão, ou sendo apenas mais um modo de expressão. 6-o item anterior articulando-se com a função da equipe de considerar o paciente numa vivência de positividade com o meio, e por conseguinte não atrelá-lo a um sintoma que permanecia, ainda que brando, presente.
Antonio Moura - do livro Trair a psiquiatria
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