ÉTICA E CLÍNICA
Diante do paciente, é possível operar uma ética não pronta. Nada de manuais ou códigos recitados pela Academia. Há uma não pessoa na pessoa à nossa frente. Tal paradoxo encarna um anti-humanismo visceral. O que está em jogo não é o indivíduo, mas uma vida. A que isso leva?
Isso leva à busca de um aumento da potência de existir, tal como ensinou Espinosa. Na prática clínica remete a aspectos empíricos e imediatos. Quem é o paciente? Quem sofre? Ele mesmo nos procurou? Por quê? Para quê? Ele quer viver? O que é viver? São perguntas elementares para a formulação de uma ética de vida. A potência de viver ocupa um lugar de destaque na questão de uma clínica da diferença. Vale para o paciente e para o psiquiatra. Num meio clínico encharcado de psiquiatria, reina a ética médica envelhecida. Escapar dela e propor outra coisa... seria possível?
Talvez uma clínica que trabalhe a produção de novas maneiras de viver... Ora, a psiquiatria está morta como pensamento . Para turbinar novas práticas, iniciemos pela ética: o Encontro com o paciente traduz esse projeto: a materialidade da relação passa a ser constituída por afetos que circulam nos dois sentidos. É claro que pela sua própria definição, há os bons e os maus afetos. Os que constroem e os que destroem.
Desse modo, antes da técnica é preciso compor linhas de vida. Implica em dizer que o trabalho com o paciente segue a arte como experimentação. Experimente, não interprete, diz Deleuze. Os dados da história pessoal e das contingências atuais estão baralhados na superfície do Encontro. O trabalho, no caso do psiquiatra, será o de destruir formas sociais rígidas (por exemplo, o afã de medicar, o diagnóstico cidológico, o corporativismo médico, etc) e criar dobras, saídas, mesmo ínfimas e imperceptíveis, para os impasses existenciais.
Atender o paciente é encontrar a loucura. Interessa, pois, ao psiquiatra, sair de si na direção de um campo vivencial movediço, sem garantias prévias, sem receitas ou protocolos técnicos. Sob tais condições, torna-se um feiticeiro. Carrega o seu balaio de conceitos na espreita de mais um encontro em que possa usá-los.
A.M.
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