IMPRESSÕES À PROVA
O psiquiatra viaja em mundos distantes. Arrisca saltos no abismo em patologias vistas de perto. Quem é você? Que se passa? Mete-se no tempo das noites loucas do Santa Mônica . Tão longe estão, quanto intactas e livres. Houve um tempo que não passou e passou. Nutre-se de paradoxos. Faz rir. O psiquiatra lembra que não há mais tempo. A hora esgotou-se como seringa descartável. O tempo deixou de ser um espaço , mesmo que de dança. Não mais que ontem, o tempo-passagem embriaga e dissolve espaços. As palavras soam bobas. Situações densas se quebram. O psiquiatra se desloca pelos campos verdes do pensamento, aspira blocos de manhãs. Elas ardem na pele dos seres que ficavam. Café da manhã com luz queimando os olhos. O dia se avizinha. Prontuários entre canções de ninar. Manhãs insistem. Plantões voltam sempre, deitam no plantonista que se esvai em sofrimentos deliciosos. É hora de dormir com a manhã. Antes, a insônia compunha os insanos. O círculo da velha juventude e a gargalhada dos pacientes seguiu os passos de um tempo a se fazer. Agora. Nenhuma crença move o passado. Não há falta. Um corpo muda e permanece na pele do sol que queima o filme de remédios na veia. Dois dois. O psiquiatra trabalha sem saber de si. Os olhos da loucura arregalam a manhã para além dos muros. Ele sabe que não sabe o instante seguinte, ou onde estará o companheiro Marx. Marx! Marx! Suas pesquisas incluem a dor de existir tão profunda quando a aparência dos que vivem das batidas incertas do mundo. Alguma coisa empurra o humor não psiquiátrico para uma alegria suspensa no ar. Sem garantias. Companheiros de textos constroem em sua carne espiritual, infinitos à mão. Entre si olham retinas ainda não cansadas pelos ardis da miséria. Uma máquina de fazer o cosmos no mais rente ao chão, se esboça. O psiquiatra fala do passado para construir pedaços dispersos de memória vã. Sem retorno.
Antonio Moura - do livro Trair a psiquiatria
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