quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

IMPRESSÕES À PROVA
                                                        

O psiquiatra viaja  em mundos  distantes. Arrisca  saltos no abismo em patologias vistas de perto. Quem é você?  Que se passa?  Mete-se no tempo das noites loucas do Santa Mônica   . Tão longe  estão, quanto  intactas e livres. Houve  um tempo que não passou e passou. Nutre-se de paradoxos. Faz rir.  O psiquiatra lembra  que não há mais tempo. A hora esgotou-se como seringa descartável. O tempo deixou de ser um espaço , mesmo que de dança. Não mais  que ontem,  o tempo-passagem    embriaga e dissolve   espaços. As palavras soam bobas. Situações  densas se quebram. O psiquiatra  se desloca pelos campos verdes  do pensamento, aspira blocos de manhãs. Elas ardem na pele dos seres que  ficavam. Café da manhã  com  luz queimando os olhos. O dia  se avizinha.  Prontuários entre canções  de ninar.  Manhãs insistem.  Plantões voltam sempre, deitam no plantonista que se  esvai em sofrimentos deliciosos. É hora de dormir com a  manhã. Antes,  a insônia compunha os  insanos.  O círculo da velha juventude  e a gargalhada  dos pacientes seguiu  os passos de um tempo a se fazer.  Agora.  Nenhuma crença move   o passado.  Não há falta.  Um corpo  muda e permanece na pele do sol que  queima o filme   de remédios na veia. Dois dois.  O psiquiatra trabalha  sem  saber de si. Os olhos da loucura  arregalam  a manhã para além dos muros. Ele sabe  que não sabe o instante seguinte, ou onde estará o companheiro Marx. Marx! Marx! Suas pesquisas incluem a dor de existir tão profunda quando a  aparência dos que vivem das  batidas incertas do mundo. Alguma coisa empurra o humor não psiquiátrico para uma  alegria suspensa no ar. Sem garantias.  Companheiros de textos  constroem  em sua carne espiritual,   infinitos à  mão. Entre si    olham  retinas ainda não cansadas pelos ardis da miséria. Uma máquina de fazer o cosmos  no mais rente ao  chão, se esboça. O psiquiatra fala do passado para construir  pedaços dispersos de memória vã.  Sem retorno.

Antonio Moura - do livro Trair a psiquiatria

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