quinta-feira, 1 de março de 2012

CRER NO REMÉDIO 

O prazer  do  médico  pela   melhora  do paciente tem uma conexão íntima  com o “passar remédio”. Talvez seja uma obviedade dizer, mas na psiquiatria esse ato se reveste de um poder sobre a existência e/ou conduta  social de alguém.  Fazer uma prescrição é influir diretamente num organismo doente que precisa ser adaptado ao convívio social. A crença é a  de se estar promovendo  uma vida,  portanto, criando. Não se percebe o engano  embutido; o paciente não é redutível a um organismo visível,  sob pena de engessá-lo no circuito das  respostas prontas (...)

Antonio Moura - do livro Trair a psiquiatria

2 comentários:

  1. Os afetos não são emoções. Essa é uma questão importante, pois a relação clínica tradicional trabalha com identificações; ora o terapeuta é o padre, o pai, o filho, o cônjuge, o amor, a mãe, a filha, etc.; ora o paciente funciona também de acordo com esses papéis, o filho "ovelha negra", o pai "carrasco", o cônjuge "traidor". São relações subjetivas interiorizantes, sendo que, muitas delas, já aparecem interiorizadas nas instituições sociais - a família, por exemplo. O que a subjetividade crítica e exterior faz não vai além de uma "denúncia", como exemplificamos no caso da esquizofrenia: "Olha, não existe esquizofrenia! O paciente está sendo controlado! Ela é uma entidade mercadológica da psiquiatria, etc." Ao contrário, na perspectiva do corpo, há relações entre corpos que se afetam mutuamente, um espaço sub-representativo. Buscar captar esse espaço indecodificável aos olhos mais preparados para o codificável. Sim, passa pela sensibilidade. Mas não só. A sensibilidade não deve funcionar como espaço de decodificação. Ela é uma zona de devir. Há psicóticos fora do manicômio também e grande parte deles estão nas ruas, procuram as ruas, o Aberto! Não existem somente psicóticos manicomializados, capsizados, há uma zona de resistência que não é enxergada, que é invisível aos olhos "mais preparados". O corpo se prepara, mas o devir não é uma questão de preparação. O devir é a relação entre a potência de um corpo, o desejo e o social. Se ficarmos aqui nesse bla, bla, bla dos pacientes crônicos, não iremos a lugar nenhum. Falemos do pacientes não manicomializados, da psicose coletiva, e ativa.

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  2. Olá para todos.

    Arrisco-me, como leigo, a fazer um comentário. Sei que o site fala de psiquiatria, mas como há também coisas "do campo biomédico", gostaria de falar algo sobre relações médico/paciente em geral.

    Há muitos médicos (de diversas especialidades) que têm muito pouco conhecimento sobre antropologia e/ou aquilo que poderíamos chamar de a "natureza humana".

    Muitos dos profissionais médicos, notadamente mais jovens (vamos "chutar" 49 anos de idade para baixo), têm muito conhecimento sobre os remédios e as modernas aparelhagens para exames de laboratório, mas não sabem como conduzir a relação, o vínculo de confiança com o paciente. Não sabem; simplesmente não sabem como lidar com as pessoas e acolhê-las em sua complexidade.

    Sou usuário de lentes de contato corretivas desde 1993. Em 1998, tive problemas de uma constante inflamação nos olhos. A inflamação persistia durante meses, ainda que eu fizesse diariamente a limpeza adequada das lentes.

    O médico oftalmologista que me atendia prescrevia determinados colírios. Eu os utilizava na posologia indicada, mas não melhorava. Numa das inúmeras vezes em que fui ao consultório dele, ele deu um grito: "Mas que olhinhos esses seus, hein, rapaz??!!" Decidi que esse seria o último dia em que eu estaria lá.

    No dia seguinte, fui ao consultório de uma colega dele (com a qual me consulto até hoje). Ela prescreveu os mesmíssimos medicamentos. Os meus olhos estavam vermelhos em fogo, mas ela disse: "Você vai melhorar". Pois bem, os mesmos medicamentos, prescritos na mesma dosagem.

    Cerca de um hora depois de eu ter saído da consulta com ela, os olhos começaram "milagrosamente" a melhorar. Daí para a frente, passei a ter raríssimas vezes essas inflamações.

    Como se explica isso? Medicamentos que simplesmente não funcionavam, quando prescritos por um determinado profissional, e que começaram a fazer efeito logo depois de alguns minutos de uso, quando prescritos por outra profissional.

    Acho que falta a boa parte dos médicos formação sobretudo em assuntos humanos, profundamente humanos (e não falo aqui, especificamente, das "humanidades" estereotipadas da universidade).

    Um abraço!

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