O NÃO-EU
Usamos o conceito de vivência articulado aos problemas da clínica psicopatológica. Esta se compõe de linhas do desejo (afetos) e linhas do pensamento (crenças). Assim, o paciente, antes de tudo, sente e acredita. Sua vivência observada na clínica não é A vivência, mas uma vivência ou vivências que se expressam em signos nem sempre significantes. Tal perspectiva faz do exame psíquico um Encontro, podendo este ser bom ou mau a depender dos afetos e das crenças postos em jogo. Isso requer do técnico entrar em contato muitas vezes com um mundo que compreende algo incompreensível à consciência. Afeto e pensamento, desejos e crenças são territórios existenciais que fazem viver. As vivências são singularidades. O Incompreensível (“por que ele quer morrer”? ou “ele acredita nisso?”, etc) não remete a uma doença ou transtorno (o que dá no mesmo), mas antes a processos de vida que se expandem em linhas arriscadas e concretas. Considerar desse modo as vivências implica em situar o paciente para além do eu e substitui-lo pela vivência não médica, não psicológica, não humanizada. Ele vive o acaso, o desconhecido e o indeterminado, ainda que em pedaços e fora da consciência. Tudo isso pode ser intuído na expressão plural dos sintomas. Não há quadro psicopatológico estável, essencial, natural ou definitivo.Os afetos preenchem as crenças e as crenças expressam os afetos. Muitos afetos, bem como muitas crenças, não são classificáveis, não remetem a um código. Outros prevalecem no perfil de determinada síndrome, até parecendo ser exclusivos, como nos caso das depressões. Ora, o exame do paciente costuma ser mediado por subjetivações psiquiátricas e psicológicas encardidas em seu organismo... A tarefa do Encontro passa a ser então trair a semiologia instituída (...)
Antonio Moura
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