A máquina saúde mental
A saúde não é assunto só da medicina, muito menos a saúde mental. Não é possível falar de uma saúde mental oficial. Não há decreto para o conceito, porque não há o conceito e sim conceitos criados sob contingências sociais e políticas. O conceito oficial de saúde mental é uma instituição, modelo abstrato de intervir sobre o outro, o paciente. A saúde mental deixa de ser um processo para se tornar um aparelho. Daí, trabalhar a partir da experiência do paciente, mormente na psicose, requer do técnico ir “além” desse aparelho. Este não dá conta da complexidade das crenças e dos afetos. Usamos a loucura como uma espécie de não-conceito, campo de intensidades fluidas. Ele segue o fluxo dos devires, empurra e isola a saúde mental para o campo da repetição serial do diagnóstico. Enfim, libera um espaço de criação e redefine o propósito de encontrar o paciente e não o de examiná-lo. Sabemos que isso é difícil pois a saúde mental opera num regime binário de significação: normais ou doentes. É uma marca de poder. Conta com dispositivos reducionistas para chegar ao paciente. Entre eles, o exame psíquico. Este enquadra a expressão do outro como doença, patologia, síndrome, transtorno, tanto faz. Chegar ao paciente não é encontrá-lo. Este pensamento se materializa em práticas de fabricação e controle de subjetividades individuadas: o louco varrido, o traste. Há um uso da loucura como representação da realidade, e não a própria realidade (...)
A. M.
Vou ser mais específico: a expressão discursiva "ser psiquiatra é não-ser psiquiatra" não cabe, é um vislumbre. Algo completamente diferente de se dizer "ser deleuziano é não-ser deleuziano", onde cabe o paradoxo. Não sou juiz dos paradoxos. É que, no próprio campo da Saúde Mental, o paciente é o juiz dos paradoxos. No Aristides Novis, mais claramente, no CAPS Aristides Novis, um paciente virou para o outro e disse: "Vá tomar seu Fenergan, pois você está ficando impregnado." O paciente disse isso! Não foi Isac criticando uma pessoa ou seu discurso. Foi o paciente! Nada aqui é pessoal. Só acho bastante perigoso assumir uma feição de "artista do cuidado", por exemplo. Bem perigoso. Seria o mesmo que, no caso da entrevista do Milton Santos, minar todo seu propósito inicial e se sentir condecorado pela apresentação acadêmica ministrada pelo jornalista. Milton Santos nitidamente sabe que tudo aquilo é uma fantasia, uma estratégia, um fantoche, toda a titulação é apenas um meio de estar ali, uma colocação, uma posição, um dispositivo contra-institucional. Mas, em nenhum momento, ele propõe um simulacro sobre sua condição de existência. No caso dele, a Academia, apesar de ser um local de prisão do pensamento, propicia, numa estratégia como a de Milton, "falar o que pensa", a "discussão de idéias". Seu fardo é menos leve. E no caso da polícia que tem que prender? E no caso da psiquiatria que tem que medicar? Vai subverter a psiquiatria? Não existe isso.
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