sábado, 17 de março de 2012

A máquina saúde mental

A saúde não é assunto só da medicina, muito menos   a saúde mental. Não é possível   falar de  uma  saúde mental oficial. Não há decreto para o conceito, porque não  há o conceito e  sim conceitos   criados sob  contingências  sociais e políticas. O conceito  oficial  de  saúde mental é  uma   instituição, modelo abstrato de intervir sobre o outro, o paciente. A saúde mental   deixa  de   ser um processo para se tornar  um aparelho.   Daí, trabalhar  a  partir  da experiência do paciente, mormente na psicose, requer  do técnico  ir     “além”  desse aparelho.   Este     não dá conta da complexidade das  crenças e  dos  afetos. Usamos a loucura como uma espécie  de  não-conceito,  campo de intensidades   fluidas. Ele  segue o fluxo dos devires, empurra e isola   a saúde mental para  o campo da repetição serial do   diagnóstico. Enfim,  libera um espaço de  criação  e  redefine o propósito de encontrar o paciente e não o  de examiná-lo.  Sabemos  que  isso   é difícil  pois a  saúde mental opera num regime binário de significação: normais  ou  doentes.  É uma marca de  poder.  Conta  com dispositivos reducionistas  para    chegar  ao paciente. Entre  eles, o   exame psíquico.  Este    enquadra  a expressão do outro  como doença,  patologia,  síndrome, transtorno, tanto faz. Chegar ao paciente não é encontrá-lo.   Este  pensamento  se   materializa em práticas de  fabricação e controle  de subjetividades individuadas: o louco  varrido, o traste. Há  um uso da loucura  como representação da realidade,   e não a própria realidade (...)

A. M.

Um comentário:

  1. Vou ser mais específico: a expressão discursiva "ser psiquiatra é não-ser psiquiatra" não cabe, é um vislumbre. Algo completamente diferente de se dizer "ser deleuziano é não-ser deleuziano", onde cabe o paradoxo. Não sou juiz dos paradoxos. É que, no próprio campo da Saúde Mental, o paciente é o juiz dos paradoxos. No Aristides Novis, mais claramente, no CAPS Aristides Novis, um paciente virou para o outro e disse: "Vá tomar seu Fenergan, pois você está ficando impregnado." O paciente disse isso! Não foi Isac criticando uma pessoa ou seu discurso. Foi o paciente! Nada aqui é pessoal. Só acho bastante perigoso assumir uma feição de "artista do cuidado", por exemplo. Bem perigoso. Seria o mesmo que, no caso da entrevista do Milton Santos, minar todo seu propósito inicial e se sentir condecorado pela apresentação acadêmica ministrada pelo jornalista. Milton Santos nitidamente sabe que tudo aquilo é uma fantasia, uma estratégia, um fantoche, toda a titulação é apenas um meio de estar ali, uma colocação, uma posição, um dispositivo contra-institucional. Mas, em nenhum momento, ele propõe um simulacro sobre sua condição de existência. No caso dele, a Academia, apesar de ser um local de prisão do pensamento, propicia, numa estratégia como a de Milton, "falar o que pensa", a "discussão de idéias". Seu fardo é menos leve. E no caso da polícia que tem que prender? E no caso da psiquiatria que tem que medicar? Vai subverter a psiquiatria? Não existe isso.

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