sábado, 30 de julho de 2011

O Remédio

O remédio compõe a paisagem  dos consultórios. Ele expressa  o olhar direto do psiquiatra. Antes  mesmo de ver o outro, o olho do significante  absoluto  empreende  o ato de medicar antes de  viver e decifrar   um fascies. A aparência não aparece.  O remédio é uma arma tornada amena e humana em  mãos prescritivas e rápidas. Nada  contra a  sua  eficácia comprovada  em experimentos insuspeitos. Trata-se de outra  coisa: o desejo. O fármaco  lamina  formas de  vida. Ao que  tudo  indica,  ele  chega  pronto para a ação bioquímica e definitiva.  O outro, o traste humanizado em nome do paciente, o próprio. Remediar a condição  humana, quem não tentou?  Somos  prudentes  no ato de medicar. A hora  da alienação consentida domina   as mentes, inclusive as do último ouvinte  da loucura.   Afastamo-nos  da demanda   criada   pelo fármaco salvador. Isso  livra a concepção racional  da  diferença  e a substitui  pela alegria: universo de potências  múltiplas. Ora, o fármaco tripudia das mentes inferiorizadas  pelo  sistema dos  valores  de troca. Um coração fenece, sempre que a dobra do tempo incide sobre o ser  imóvel.  Ao  contrário,  use a posologia dos afetos.  Palavras técnicas dão lugar a  vôos   baixos.  Vamos  no rumo da mais  louca  abstração. Espécies esquecidas. Lovecraft.

Antonio Moura

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