sexta-feira, 29 de julho de 2011

SEM IDENTIDADE

Eis aí, estou sozinho aqui, ninguém gira à minha volta, ninguém vem em minha direção, à minha frente ninguém jamais encontrou ninguém.Essas pessoas não existiram nunca. Não foram  nunca senão eu e esse vazio opaco. E os ruidos? Também não, tudo é silencioso. E as luzes, com as quais eu tanto contava, será preciso apagá-las? Sim, é preciso, não há luzes aqui. O cinza também não, é preto que seria necessário dizer. São apenas eu, de quem nada sei, senão que nunca falei disso, e esse negrume, de que também nada sei, senão que é negro, e vazio. Eis portanto aquilo de que, devendo falar, falarei, até que não tenha mais nada a falar. Dê o que dê. E Basile e consortes? Inexistentes, inventados para explicar não sei mais o quê. Ah sim. Mentira tudo isso. Deus e os homens, o dia e a natureza, os entusiasmos do coração e o meio de compreender, covardemente os inventei, sem ajuda de ninguém, pois não há ninguém, para retardar a hora de falar de mim. Não tratarei mais disso.

Samuel  Beckett -  do livro  O inominável

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