sexta-feira, 1 de julho de 2011


        Ao contrário do que se pensa, o paciente  sabe  de  si e do mundo, mesmo estando  psicótico, principalmente  por   estar  psicótico.  Ele  desvia o rosto dos  enquadres  médicos.  Um caminho em linha faz sentido  duplo. A hierarquização cede espaço. O paciente não é o   do  psiquiatra  e sim do mundo.  Sem médico ou seja:  não se  sente paciente. Está  fora. Não entra em  compilações clínicas, não é atendido, não precisa, não está  para isso. Um vazio toma conta da sala. Risos imotivados  tem um motivo e  uma interpretação. A psiquiatria a tira por  entre   ampolas da  sala. Quem  fala? Ouve-se um ruído de imagens heréticas. Elas  chegam ao cérebro. Vêm de longe, logo ali. São  feitas  da matéria. Esta  é  invisível.   O  paciente  é  uma imagem, tudo é imagem. Daí,  a sua  presença marcar um grito  que  extrapola   os limites da    clínica. Uma queixa, um comportamento, um sintoma-signo.   Quem fala  coisas fora dos  trilhos?  Qualquer  um pode, desde que a existência brilhe.  A irreversibilidade do fato biológico [1] ou de qualquer  fato,  comprova o silêncio  que  banha a hora do desencontro.  Sem que  se perceba, é preciso inverter  a ordem.      Nada mais faz sentido senão a produção   do sentido, mesmo  o sem-sentido. O paciente  está desnorteado ante os   fluxos de verdade   da  saúde  mental.  No entanto,  seu corpo é  um projétil que  se desloca  à velocidade do pensamento:  não se dobra, mas  se desdobra em  imagens atuais. Você não sabe  do que  falo, mas  sabe  do que  sinto em relação a essas  experiências  sem  dono.


[1] “Todas  as reações químicas são irreversíveis; todos  os fenômenos biológicos são irreversíveis”, Prigogine, I.,O nascimento  do tempo, Lisboa, Edições 70, 1988, p. 39.


Antonio Moura - do livro Trair a psiquiatria, a ser publicado

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