Ao contrário do que se pensa, o paciente sabe de si e do mundo, mesmo estando psicótico, principalmente por estar psicótico. Ele desvia o rosto dos enquadres médicos. Um caminho em linha faz sentido duplo. A hierarquização cede espaço. O paciente não é o do psiquiatra e sim do mundo. Sem médico ou seja: não se sente paciente. Está fora. Não entra em compilações clínicas, não é atendido, não precisa, não está para isso. Um vazio toma conta da sala. Risos imotivados tem um motivo e uma interpretação. A psiquiatria a tira por entre ampolas da sala. Quem fala? Ouve-se um ruído de imagens heréticas. Elas chegam ao cérebro. Vêm de longe, logo ali. São feitas da matéria. Esta é invisível. O paciente é uma imagem, tudo é imagem. Daí, a sua presença marcar um grito que extrapola os limites da clínica. Uma queixa, um comportamento, um sintoma-signo. Quem fala coisas fora dos trilhos? Qualquer um pode, desde que a existência brilhe. A irreversibilidade do fato biológico [1] ou de qualquer fato, comprova o silêncio que banha a hora do desencontro. Sem que se perceba, é preciso inverter a ordem. Nada mais faz sentido senão a produção do sentido, mesmo o sem-sentido. O paciente está desnorteado ante os fluxos de verdade da saúde mental. No entanto, seu corpo é um projétil que se desloca à velocidade do pensamento: não se dobra, mas se desdobra em imagens atuais. Você não sabe do que falo, mas sabe do que sinto em relação a essas experiências sem dono.
[1] “Todas as reações químicas são irreversíveis; todos os fenômenos biológicos são irreversíveis”, Prigogine, I.,O nascimento do tempo, Lisboa, Edições 70, 1988, p. 39.
Antonio Moura - do livro Trair a psiquiatria, a ser publicado
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