A histeria, patologia que "deu origem" à psicanálise no final do século XIX, se expressa hoje, mais que nunca, numa espécie de cipoal da clínica psicopatológica. Suas formas de expressão mudaram. Não se pode, pois, dizer que ainda exista uma entidade clínica chamada histeria, ao modo de Freud. O que, então, existe? Uma profusão de linhas-sintomas disseminadas pelo corpo, constituindo-o: são as clássicas "somatizações conversivas" e/ou as "dissociações da consciência". Na prática, os quadros psiquiátricos ditos graves (psicoses de variados matizes, transtornos do humor - mania ou depressão - transtornos da personalidade, fobias, pânicos, etc) costumam substituir a hipótese diagnóstica de uma histeria, e preencher o vazio nosológico, suscitando o emprego de mais e mais remédios químicos, mais e mais controle social, mais e mais preconceito moral, mais e mais descaso médico. Os pacientes deixam, então, de incomodar a ordem da razão e as instituições que lhe são correlatas, bem como são “aliviados” dos sintomas incapacitantes para a vida autônoma. Isso no campo da chamada saúde mental. Fora deste e da especialidade psiquiátrica, a histeria se expressa em fibromialgias, enxaquecas, algias múltiplas, parestesias, tonturas, mutismos, vastas extensões de pele, músculos e ossos em organismos codificados por universos virtuais. A autoflagelação, cada vez mais comum, pode ser vista como a busca de certezas “de que estou vivo”. Na esteira de tais sintomas, não é de admirar que a ideação suicida “evolua” ao ato suicida. A experiência de oito anos de Caps nos mostra tal realidade insana. Em suma, enquanto forma de ação-no-mundo ( organismo) e fluxo de imagens (consciência), a histeria pode “simular” rigorosamente qualquer transtorno mental, desconcertando a avaliação psiquiátrica, ainda mais em tempos de declínio e aniquilamento da pesquisa psicopatológica. A psiquiatria acadêmica, neurobiológica e canônica, costuma substituir sua monumental ignorância sobre os processos subjetivos por condutas de imbecilização e coisificação dos pacientes.
P.S. - Texto revisado, ampliado e republicado.
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