sábado, 5 de janeiro de 2013


NIETZSCHIANAS

Chama-se cristianismo a religião da compaixão. ­ A compaixão está em oposição a todas as paixões tônicas que aumentam a intensidade do sentimento vital: tem ação depressora. O homem perde poder quando se compadece. Através da perda de força causada pela compaixão o sofrimento acaba por multiplicar-se. O sofrimento torna-se contagioso através da compaixão; sob certas circunstancias pode levar a um total sacrifício da vida e da energia vital ­ uma perda totalmente desproporcional à magnitude da causa (­ o caso da morte de Nazareno). Essa é uma primeira perspectiva; há, entretanto, outra mais importante. Medindo os efeitos da compaixão através da intensidade das reações que produz, sua periculosidade à vida mostra-se sob uma luz muito mais clara. A compaixão contraria inteiramente lei da evolução, que é a lei da seleção natural. Preserva tudo que está maduro para perecer; luta em prol dos desterrados e condenados da vida; e mantendo vivos malogrados de todos os tipos, dá à própria vida um aspecto sombrio e dúbio. A humanidade ousou denominar a compaixão uma virtude (­ em todo sistema de moral superior ela aparece como uma fraqueza ­); indo mais adiante, chamaram-na a virtude, a origem e fundamento de todas as outras virtudes ­ mas sempre mantenhamos em mente que esse era o ponto de vista de uma filosofia niilista, em cujo escudo há a inscrição negação da vida. Schopenhauer estava certo nisto: através a compaixão a vida é negada, e tornada digna de negação ­ a compaixão é uma técnica de niilismo. Permita-me repeti-lo: esse instinto depressor e contagioso opõe-se a todos os instintos que se empenham na preservação e aperfeiçoamento da vida: no papel de defensor dos miseráveis, é um agente primário na promoção da decadência ­ compaixão persuade à extinção... É claro, ninguém diz "extinção": dizem "o outro mundo", "Deus", "a verdadeira vida", Nirvana, salvação, bem-aventurança... Essa inocente retórica do reino da idiossincrasia moral-religiosa mostra-se muito menos inocente quando se percebe a tendência que oculta sob palavras sublimes: a tendência à destruição da vida. Schopenhauer era hostil à vida: esse foi o porquê de a compaixão, para ele, ser uma virtude... Aristóteles, como todos sabem, via na compaixão um estado mental mórbido e perigoso, cujo remédio era um purgativo ocasional: considerava a tragédia como sendo esse purgativo. O instinto vital deveria nos incitar a buscar meios de alfinetar quaisquer acúmulos patológicos e perigosos de compaixão, como os presentes no caso de Schopenhauer (e também, lamentavelmente, em toda a nossa décadence literária, de St. Petersburgo a Paris, de Tolstoi a Wagner), para que ele estoure e se dissipe... Nada é mais insalubre, em toda nossa insalubre modernidade, que a compaixão cristã. Sermos os médicos aqui, sermos impiedosos aqui, manejarmos a faca aqui ­ tudo isso é o nosso serviço, é o nosso tipo de humanidade, é isso que nos torna filósofos, nós, hiperbóreos! ­

2 comentários:

  1. Horrível. E olhe que não sou cristão, não me considero um cristão, mas, como bom aprendiz, acho Cristo uma figura fortíssima para quem queira aprender determinadas coisas com ele. Não cabe enumerar aqui porque são muitas coisas. Mas, horrível isso que foi escrito. Eu iria até publicar alguma coisa... Bom deixa pra lá. Não foi ele o autor da TEORIA DO RESSENTIMENTO? Foi ele sim.

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  2. Nietzsche é um grande pensador, com quem se pode aprender muitas coisas, sobretudo na crítica que tece ao cristianismo e à cultura, de uma forma geral. Filosoficamente, critica também a herança do platonismo e Sócrates. Nesse ponto, totalmente de acordo. Mas, não tenho como deixar para trás o fato de que Nietzsche foi o AUTOR DA TEORIA DO RESSENTIMENTO e Jesus Cristo não foi AUTOR DE NADA. Ele VIVEU o que se poderia chamar de "TEORIA DO AMOR". E só.

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