SOBRE O USO DE PSICOFÁRMACOS
O uso de psicofármacos é secundário à formulação de uma hipótese diagnóstica. Pelo menos deveria... O psiquiatra considera os sintomas mais relevantes do quadro psicopatológico. O sofrimento ou a conduta podem ser descritos pelo paciente como insuportáveis. Ou implicarem em riscos ao paciente e em torno dele. Há situações existenciais próximas. Desse modo o fármaco é a primeira opção ,o que se confirma na análise da vivência. Ela se dá em função do Contexto. O contexto é uma vivência.
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Casos de emergência psiquiátrica são exemplos típicos com indicação para fármacos. O alvo da prescrição é o sintoma que domina a cena clínica: agitação psicomotora, mania psicótica, delírios persecutórios, tentativa de suicídio, entre outros signos. O contexto se afirma como uma vivência-limite.
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Em casos crônicos com agudização, o mesmo fármaco será mantido ou não, a depender da história do paciente e da avaliação terapêutica atual. O contexto inclui também linhas de rechaço sócio-familiar ao portador de transtorno mental. É preciso, pois, estar atento a esse dado, e daí contra o uso do fármaco como punição por “mau comportamento”.
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Se o fármaco ataca o sintoma, buscando eliminá-lo, o que fazer nos casos em que o paciente apresenta múltiplos sintomas? Prescrever “n” remédios é uma opção pouco inteligente. A análise da vivência adquire, então, valor primário. Ela é a superfície existencial onde os sintomas se expõem, espécie de muro branco, aparência. O encontro clínico se dará como vivência intensiva do técnico. Um devir.
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Há casos de primeira consulta sem indicação para o uso de fármacos. Como sabê-lo? Haveria que abrir o campo da semiologia ao não-patológico. Significa dizer que o doente não está doente. No entanto, outra condição é mais sutil. Ele está doente mas o fármaco não é a primeira escolha, não vai funcionar. São os casos em que a psicoterapia é indicação exclusiva. As forças de autoterapia são remédios à mão. No entanto, tal percepção só é possível com a escuta fina saindo dos trilhos da razão técnica.
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Quando o paciente vai buscar o remédio, o psiquiatra entrega; situação mais comum do que se supõe. Um dueto pessoal funciona como máquina de tratar sem tratar. O remédio é uma extensão do médico, um cabo conectado com a verdade. A substituição do tratamento real pela receita burocrática sequer é notada. É possível que a questão do tratamento nem se ache na cena. O médico não passou um remédio. É o contrário: o Remédio é quem passou o médico para o rol dos agentes do corpo apassivado.
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A psiquiatria seria uma especialidade da alma? Entendemos alma como o desejo em incessante produção. O fármaco também é desejo que engata e/ou desliza nas superfícies do corpo. Por isso ele é desejado, infelizmente colocado à serviço de forças de controle e domínio. São as multinacionais farmacêuticas administrando sinapses. A secreção do desejo se faz, então, no interior da moldura individual. É preciso salvar a própria alma e esquecer do que a impulsiona: o mundo.
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O prazer do médico pela melhora do paciente tem uma conexão íntima com o “passar remédio”. Talvez seja uma obviedade dizer, mas na psiquiatria esse ato se reveste de um poder sobre a existência e/ou conduta social de alguém. Fazer uma prescrição é influir diretamente num organismo doente que precisa ser adaptado ao convívio social. A crença é a de se estar promovendo uma vida, portanto, criando. Não se percebe o engano embutido; o paciente não é redutível a um organismo visível, sob pena de engessá-lo no circuito das respostas prontas (...)
Antonio Moura
"o Remédio é quem passou o médico para o rol dos agentes do corpo apassivado." <- Muito bom!
ResponderExcluirLança a bola daí que daqui eu também vou jogando. KKKKKK!!! Abraço