quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

 SOBRE O USO DE PSICOFÁRMACOS


O uso de  psicofármacos  é secundário  à formulação de uma hipótese    diagnóstica. Pelo menos deveria...  O  psiquiatra  considera os sintomas mais  relevantes do quadro psicopatológico. O sofrimento ou a  conduta  podem ser descritos pelo paciente como insuportáveis.  Ou   implicarem em    riscos ao paciente e em torno dele.  Há    situações  existenciais  próximas.  Desse modo o fármaco    é   a primeira  opção ,o  que se confirma na análise  da vivência.   Ela   se  dá   em função do Contexto. O contexto é uma vivência.  
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 Casos de emergência psiquiátrica  são exemplos típicos com indicação para  fármacos. O alvo da prescrição é o sintoma que domina a cena clínica: agitação psicomotora, mania psicótica, delírios persecutórios, tentativa de suicídio, entre outros signos. O contexto se afirma como uma vivência-limite.
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Em casos crônicos  com  agudização,  o mesmo fármaco será mantido ou não,  a depender  da história do paciente   e  da avaliação terapêutica atual. O contexto inclui  também  linhas de rechaço sócio-familiar ao portador de transtorno mental. É preciso, pois,  estar atento a esse  dado,   e daí  contra o uso do fármaco como punição  por  “mau comportamento”.
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Se o fármaco ataca o sintoma,  buscando eliminá-lo,  o que fazer nos casos  em que o paciente apresenta múltiplos sintomas?  Prescrever “n” remédios é   uma   opção   pouco inteligente.   A  análise da vivência adquire, então,  valor primário. Ela é a superfície existencial onde os sintomas se expõem,  espécie de muro branco, aparência. O encontro clínico se dará   como  vivência intensiva do  técnico. Um  devir.
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Há casos de primeira consulta  sem  indicação para  o uso de fármacos. Como sabê-lo?   Haveria que abrir o campo da semiologia ao não-patológico. Significa dizer que o doente não está doente. No entanto, outra condição é mais sutil. Ele está doente   mas  o fármaco não é a primeira escolha, não vai funcionar. São os casos  em  que   a psicoterapia é  indicação exclusiva.  As forças de autoterapia    são  remédios à  mão. No entanto,  tal percepção   só é possível  com a escuta  fina  saindo dos   trilhos da razão  técnica.
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Quando o paciente vai buscar  o remédio, o psiquiatra   entrega;   situação mais comum do que se  supõe. Um dueto pessoal  funciona como máquina de tratar sem tratar. O remédio é uma extensão do médico, um cabo conectado  com a verdade. A substituição do  tratamento real  pela receita burocrática   sequer  é notada.  É possível  que a questão do tratamento  nem  se ache  na  cena.  O médico não passou um remédio. É o contrário: o  Remédio é quem   passou o médico para  o rol dos agentes  do corpo  apassivado.
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A psiquiatria seria  uma especialidade da alma? Entendemos alma como o desejo em incessante produção. O  fármaco também é desejo que engata e/ou desliza nas superfícies do corpo. Por isso ele   é desejado,   infelizmente   colocado   à serviço de   forças de controle e domínio. São as  multinacionais    farmacêuticas   administrando     sinapses. A secreção do desejo se faz, então,   no interior da moldura individual. É preciso salvar a própria   alma   e esquecer do   que a impulsiona: o mundo.  
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O prazer  do  médico  pela   melhora  do paciente tem uma conexão íntima  com o “passar remédio”. Talvez   seja uma obviedade dizer, mas na psiquiatria esse ato se reveste de um poder sobre a existência e/ou conduta  social de alguém.  Fazer uma prescrição é influir diretamente num organismo doente que precisa ser adaptado ao convívio social. A crença é  a   de  se estar promovendo  uma vida,  portanto, criando. Não se percebe o engano  embutido;     o paciente não é redutível a um organismo visível,  sob pena de engessá-lo no circuito das  respostas prontas  (...)


Antonio Moura

Um comentário:

  1. "o Remédio é quem passou o médico para o rol dos agentes do corpo apassivado." <- Muito bom!

    Lança a bola daí que daqui eu também vou jogando. KKKKKK!!! Abraço

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