sábado, 30 de junho de 2012

E. GISMONTI - A fala da paixão

CLÍNICA DAS DEPRESSÕES

(...) (...)Não existe a doença “depressão”e sim estados depressivos inseridos em linhas existenciais concretas.É o que chamamos de síndromes.Estas, como as vivências,  "precedem" as depressões, conectando os estratos físico-químicos aos psíquicos e aos coletivos.Uma atitude transdisciplinar se impõe na pesquisa. Do contrário o reducionismo cientificista vai exibir suas pinças assépticas, como no caso da psiquiatria  biológica. 
(...)
A.M.

MILTON SANTOS - no Roda-Viva - parte 2


LA MÁQUINA

(...) (...)A  forma-psiquiatria é este segmento dominante no funcionamento da equipe.  Não importa que os psiquiatras se sintam desconfortáveis com o avanço da luta antimanicomial. Afinal, a psiquiatria mantém um status baseado  na medicina, o  que opera   efeitos concretos,  entre eles, o da farmacologização subjetiva. Há uma fabricação do rosto do paciente que funciona em oposição ao rosto normal .Quem o fabrica? O autor não é identificável. Uma máquina binária (médico-paciente) é implantada no seio  da clínica. 
(...)
A.M. 

DIANA KRALL - Let´s face the music and dance


a roda do tempo
move as células
do pensamento

A.M.
O QUE FAZER?

O remédio químico parece ser a saída dos males civilizatórios. Do admirável mundo novo aos dias atuais, a psiquiatria desponta como representante de  um conservadorismo com ares de ciência exata. A capacidade de manobra política junto ao Estado e ao Mercado não deixa de impressionar. Há uma espécie de imbecilidade programada que  circula como verdade.O paciente, situado na ponta dos efeitos subjetivos do capital, responde  ok  à fabricação de si mesmo.Uma tarefa do técnico em saúde mental se mostra, pois, um desafio impossível e lúcido.

A.M.

Chapada Diamantina

sexta-feira, 29 de junho de 2012

VIAGENS DE MIGUEL

Miguel  conquista o mundo. O mundo são as forças que lhe rodeiam. Falo dos riscos. Mas, que adianta? Seus movimentos excedem... e vão ao encontro do mundo. Mais:  fazem de um dia chato um brilho novo.Vivo, ou procuro viver, com a infância que Miguel me traz. Sem culpa ou vergonha, ele faz um mundo de fantasias reais como o de um delirante.  A diferença é que Miguel toma  a fantasia como seu ser próprio.Fantasia carnal, visceral. Todos acreditam nele porque não acreditam na infância. Cruel paradoxo. Só suportam um ser-criança falando de coisas irreais. Trata-se de uma brincadeira, ora. Vibre, corra, dance. Tudo bem. No fim das contas, o mundo adulto confessa sua estupidez usual. E aí, o que dizer a Miguel nessa linha de vida anárquica e desejante? Meu coração vacila entre viveres múltiplos. Seus afetos atravessam a noite e me fazem singular. A vida apronta séries desconexas. O tempo chega apressado. A manhã arde de desejo. 

A.M.

os médicos são burros
carregando o sistema
orgulhosamente

A.M.

CHICO - Cálice

LOUCURA E MAGIA NEGRA

Os manicômios são conscientes e premeditados recipientes de magia negra, não só por os médicos promoverem a magia por suas inoportunas e híbridas terapias, mas por praticarem-na.

Se não houvessem médicos
nunca haveria doentes,
nem esqueletos dos mortos 
doentes para serem esfolados e retalhados,
pois a sociedade não começou com os doentes mas sim com os 
médicos.
(...)
A. Artaud
DESEJAR...
O CÉREBRO NO FORMOL

(...) (...). Não por acaso, os compêndios ou manuais de psiquiatria  são simplórios em termos  de produções  teóricas sobre fatores etiológicos não-bioquímicos das doenças .O que  está  verdadeiramente  em jogo na avaliação do paciente é o controle não só do seu comportamento (isso é  óbvio  demais) mas da sua alma. Para  controlar  há que produzir.Como a alma  é  imaterial, sem deixar de ser concreta, o controle  passa  a ser a  produção de uma alma  neuro-química seguindo os padrões de funcionamento do organismo.O cérebro é produzido como uma espécie  de  substância da mente ou da  subjetividade. Desse  modo, o sofrimento  vai sendo produzido como subjetividade-cérebro.
(...)
A.M.

GEORGE BENSON - Give me the night


quinta-feira, 28 de junho de 2012

DA EXPERIÊNCIA POÉTICA

a poesia é perigosa
porque desarruma os códigos
e faz vacilar as certezas

diferentemente
da linguagem psicótica
ou da criança

ela não é capturável
pelos remédios
ou pela escola


A.M.

ESQUIZO-PERGUNTA

-O que é  a    loucura para você.?
-De  forma resumida, posso dizer que a loucura é uma  experiência  lancinante   (  podendo   ser ou não destrutiva) que atinge em cheio as capacidades do eu. Bleuler  já dizia  isso  há  100 anos.  Essa é talvez a sua essência mais  “profunda”. É preciso saber  a que  isso leva, aonde  isso vai, como isso se expressa  em termos da vida  do paciente. O que  a psiquiatria chama de psicose ou esquizofrenia, por exemplo, está muito longe de tocar  o universo da loucura. Pior,  a psiquiatria  produz algo que chama de “doença” e até  convence  o paciente. Que  se passa? Um paciente que não se sente doente? Ora,para o mais simplório dos pesquisadores da mente, há  algo profundamente equivocado  nas premissas  da psiquiatria. 
(...)

A.M.

LUIZ MELODIA e LUCIANA MELLO - Quizumba

"A televisão matou a janela."

N. Rodrigues
ORIGENS "BAIXAS" DA PSIQUIATRIA

(...) (...)O  psiquiatra é médico, eis  um truísmo  útil.  Por quê? Porque, na  psiquiatria, um  a  priori de poder funciona na relação com o paciente e impõe uma  tecnologia  de controle.  Apesar disso, a história da psiquiatria oficial construiu a díade do atendimento sob o manto apaziguador da Ciência. A relação tornou-se, pois, vazada por uma violência implícita, daí  não percebida pelo senso  comum.
(...)
A.M.

quarta-feira, 27 de junho de 2012

DELEUZE : O que é o ato de criação?

Não há um conceito de "personalidade" em psiquiatria. Então, fica difícil, senão impossível, falar em "transtorno de personalidade"... em psicopatologia.

A.M.

PAUL KLEE

O encontro de dois homens.

MICRO-POLÍTICA

O  corpo-sem-órgãos (CsO) é um anticonceito, limite  intransponível da experiência.  Processo esquizofrênico.  No caso da  entidade  clínica  é  prática de  vida  que  aparentemente fracassou.  Mesmo assim permanece ativo  enquanto  coleção  de  linhas existenciais sem contorno, fluxos  nômades, gritos.São as máquinas  do desejo. A subjetivação é,  pois, uma dessubjetivação  incessante. Somos todos esquizos. Considere o seu próprio  corpo. Ele  é  invenção   de  mundos.  Não  o corpo  do  qual  a medicina,  papai-mamãe e a escola gostam.  É outra  coisa,  uma  política. Aparece aqui e  ali em situações de  grande  responsabilidade moral – para  desfazer  a  moral. Se você perguntar qual  o meu corpo , eu  lhe  direi:  sigo os   afetos:  uns  me  encantam, outros  são  insuportáveis. Risco dos  encontros, puro desejo escorrendo  cruel. Veja  o paciente.  Seu  corpo liga-se ao mundo dos  códigos estáveis. Eles são usados  para a repetição do Mesmo. A antiprodução é, assim, inserida   na produção. Convite ao normal. Mas, o que  aconteceria  se  milhões de corpos sem órgãos  fossem movidos ao combustível alegria? O corpo  seria  o  de uma dançarina saltando na relva? O de  um  soldado  numa  trincheira? Ora, os  corpos  são invisíveis. Sua potência esgueira-se por  entre  as  franjas da  racionalidade  proprietária do  eu. Não  há  corpos opacos.  Somos  fibras  de luz e só  os videntes  enxergam  para além de  toda  moral e de  toda  técnica. O  CsO é  uma política  de guerreiros  esquizos. Eles  não se  deixam ver.  Usam máscaras rentes à pele. Você nem sabe que é um. Mas,  não anuncie a sua  chegada,  não  reclame, não ressinta. Cultive  o segredo. Faça  rizomas.
(...)
A.M. 


TOM JOBIM - Samba de uma nota só

terça-feira, 26 de junho de 2012


SINTOMA

O paciente  carrega   sintomas. O médico conversa  com eles.  Todo paciente é uma  multiplicidade  de sintomas, inclusive  ele.  O eu-sintoma se expressa por  signos.  Envia  signos, não para  serem  decodificados, mas  para  criarem   um mundo. Este mundo precisa  de  aliados, operadores de  territórios. Então, o sintoma que a farmacoterapia alcança, “deve” ser  substituído por  territórios existenciais. Pode  ser  qualquer  coisa,  a mais  insignificante. Caso não aconteça, o paciente  vira o sintoma que vira  o diagnóstico que não vira mais .  Isso  fecha uma ação  redundante  sobre  si mesmo, um sistema  fechado. Como Ilya Prigogine, acreditamos  nos  sistemas  longe  do equilíbrio  onde  rearranjos da matéria afirmam  universos  virtuais . Desse  modo, sintomas podem ser  usados  como trampolins psíquicos, disparadores  de processos vitais.  A psiquiatria, ela própria, é  um sintoma, ou um analisador da  sociedade  industrial. Extingui-lo seria extingui-la. Isso não é  (ainda) possível face  às   atuais  correlações   de forças . No entanto, reutilizá-la em pedaços  dispersos para  uma clínica a se inventar... como fazer?
(...)
A.M.
O Corpo é um deserto.

A RAZÃO DA LOUCURA

(...) (...)A loucura, objeto dos meus estudos, era até agora uma ilha perdida no oceano da razão; começo a suspeitar que é um continente.
(...)
Machado de Assis - do livro O alienista

O PIANO

TRANSTORNO DE PERSONALIDADE: PROBLEMAS

(...) (...)É importante ressaltar que a violência e  a  agressão não são os únicos atributos do TP anti-social. Tampouco são atributos  fora da realidade social. Ao contrário, não só em tempos de capitalismo, mas a história da humanidade é a da destruição em massa de populações e indivíduos. A reificação da violência, bem como a sua adesão insuspeita a certos segmentos sociais,  faz por fabricar o personagem anti-social para que  seja “cuidado” por  agências de controle do estado. A psiquiatria participa da trama,  mas é claro que não comanda. Aliás, quem comanda tudo isso? O diagnóstico clínico, o parecer forense,  os sintomas, a extensa  lista  dos  transtornos mentais,  o binômio ordem/desordem, toda a fraseologia psicopatológica   reducionista girando  em torno da  diferença, compõem o pensamento médico  voltado ao controle dos menores gestos, mesmo cerebrais, principalmente cerebrais.Não  há um comando central, mas   o poder médico  estilhaçado em subjetividades técnicas CIDando mal.
(...)
A.M.

segunda-feira, 25 de junho de 2012

ELIS - Cartomante

A PSIQUIATRIA  NÃO  SABE  DAS  PSICOSES

Estudar as  psicoses implica em tocar nas questões  fundamentais da  psicopatologia. Vejamos  porque.   O que  é  hoje considerado  psicose  se  aproxima do que  antes era  chamado  loucura.  No entanto, o conceito de psicose  é  impreciso.Tal  imprecisão atravessa  a  história  da psiquiatria. Por que  um tema tão importante recai numa insuficiência conceitual? Tudo remete à questão do diagnóstico, que  é por onde se  dão as  ações terapêuticas (práticas) da  psiquiatria.  Mesmo mal diagnosticada (será  uma psicose?  que  tipo?)   há  que  se intervir concretamente,   pois  o psicótico  incomoda  à  Ordem. Mas, afinal, o que  são as psicoses? São  síndromes psicopatológicas graves. Elas  se caracterizam sobretudo por uma ruptura do paciente- em maior ou menor  grau com a Realidade. Seus sintomas incluem basicamente  delírios, alucinações, alterações  do eu, da afetividade e do comportamento social.O rompimento  com a Realidade é acompanhado por  situações  sociais de constrangimento, onde  o rechaço e a humilhação encontram no hospital psiquiátrico o exemplo da  prática  de segregação cientificamente respaldada. Já  que  o conceito clínico de psicoses é impreciso, sua  etiologia (estudo das  causas) também o é.O campo das  psicoses é muito rico em   manifestações clínicas e em  pesquisas teóricas. No primeiro caso, há que  diferenciar as psicoses dos  vários  quadros patológicos não-psicóticos. No segundo, o trabalho conceitual usa  aportes de  campos diversificados do conhecimento, tal a  sua complexidade.
                     O tratamento  das psicoses está  condicionado às  hipóteses etiológicas do quadro psicopatológico visado, e às  singularidades do paciente.

A.M.

DA EXPERIÊNCIA POÉTICA

(...) (...) Portanto, é precisamente dizer, quando falo: a morte fala em mim. Minha palavra é a advertência de que a morte está, nesse exato momento, solta no mundo, que entre mim, que falo, e a pessoa que interpelo aquela surgiu subitamente: ela está entre nós como a distância que nos separa, mas essa distância é também o que nos impede de estar separados, pois nela reside a condição de todo entendimento. Somente a morte me permite agarrar o que quero alcançar: nas palavras, ela é a única possibilidade de seus sentidos. Sem a morte, tudo desmoronaria no absurdo e no nada.
(...)
Maurice Blanchot - do livro A parte do fogo

FRANZ MARC

O moinho encantado
Poeminha do Contra

Todos estes que aí estão
Atravancando o meu caminho
Eles passarão.
Eu passarinho!

Mário Quintana

ROSA PASSOS - Você vai ver


A LINHA ESQUIZO
                     
Sabemos que   a   Consciência   é  regida  por  representações    da  realidade. Ela  traz   a certeza  de si   ancorada       no     eu,  (que  também  é  uma  representação),  estanca  os devires e  fabrica   impressões  de  identidade.  Isto é  uma    mesa.  Aquele  é  o  paciente.   A suposta  identidade  do   outro   vem   atada  a  um  modelo  cognitivo  único: a  razão.   Institui-se,   assim,      o  hábito      de   que  o pensamento   é  um decalque  do  real.  Contudo,  pensar  só   é possível   “encontrando”  o lado de  fora,  a linha  do Fora. O  que  é  isso? Chamamos a  mente  de  subjetividade. Ela  expressa  um mundo  próprio  mediante a  criação  de   processos  singulares. Rigorosamente, não  há  “dentro” nem “fora”  da  subjetividade.   A expressão “no  mundo”   já  é  um mundo, mesmo  que  seja     delirante. O eu  se esfuma  em proveito de  linhas de  vida   que   escorrem  pelo  corpo. O centro  deixa  de ser  o eu para  ser     o corpo- superfície onde se inscreve o desejo. O corpo  é  o desejo. Aqui se  traçam e   se trançam     linhas  existenciais. Seguindo  Deleuze, são  3  as   linhas que   nos  constituem.   Enroladas umas  nas  outras, às vezes   indiscerníveis para  um olhar-clichê.   Temos:  a  linha molar  (ou sedentária), a molecular  (ou  nômade) e  a  de fuga. Vejamos algumas de suas  características  no campo  da  saúde  mental, mais especificamente no  paciente.  A linha  sedentária  estabelece  um papel social   “estável”   hoje  nomeado  “portador  de  transtorno  mental”. A linha nômade   expressa  singularizações   que  escapam à  forma-doença. São estilos de  vida,   maquinando  uma certa arte,  talvez  a arte de viver. Por  fim, a  linha de  fuga; a mais inesperada e louca: traduz universos  insólitos  não   sonhados pela  organização  molar.É o mundo abstrato  das  formas  não instituidas. Tudo  isso  compõe   os  processos subjetivos. A linha  de  fuga, sem  dúvida, a  mais estranha  e arriscada,  traz a questão  da loucura  para dentro  da Clínica. Deste modo, a avaliação  da Consciência é  apenas um elemento ( dos  mais  frágeis) para  se poder dizer  “quem é o paciente?” A sua  identidade, estabelecida pela  razão  psiquiátrica e  por todas as  razões  de mando e comando, revela-se  uma    linha  pronta  a se  encaixar  no  molde diagnóstico. Qual  o  CID?    Falamos  de outra  coisa,  talvez inominável. Portamos   a  Consciência  e suas representações da  realidade  porque  a  tal Realidade não é  a “nossa”  e sim a que nos  fazem acreditar. O paciente recusa-a. Ele   escapa por   linhas-sintomas  (o delírio, a alucinação, etc) nem sempre criativas, e muitas  vezes  destrutivas para  si  e para  os outros. As  linhas  moleculares (singularizações)  se  tornam  meras  esquisitices e as linhas  de  fuga  buracos  negros enregelados e malditos. A linha esquizo  passa  então   a ser  a entidade  clínica  tão cara  à psiquiatria e  aos  seus  axiomas. Veja:  é    esquizofrenia!  Apesar  disso, ela é  a  linha  do  Fora ( onde  é  possível  pensar)   pois está em  contato com  forças inumanas. O Inconsciente não freudiano,  reservatório de  multiplicidades  pulsantes,  está  aí, mesmo sem ser  visto. A arte, mais uma vez, comparece. Seus  paradoxos e  expressões   são  uma  linha  esquizo  se  esboçando, se  fazendo... 
(...)
A.M.

domingo, 24 de junho de 2012

VELOCIDADES

As crianças são rápidas porque sabem deslizar entre. Fanny imagina a mesma coisa da velhice: há também nesse caso, um devir-velho que define as velhices bem sucedidas, ou seja, um envelhecer-rápido que se opõe a impaciência comum dos velhos, a seu despotismo, à sua angústia da noite (cf. a maldita fórmula "a vida é curta demais..."). Envelhecer rápido, segundo Fanny, não é envelhecer precocemente, seria, ao contrário, a paciência que permite, justamente, apreender todas as velocidades que passam. Ora, acontece o mesmo com o escrever. Escrever deve produzir velocidade. O que não quer dizer escrever depressa.
(...)
C. Parnet e G. Deleuze - do livro Diálogos

PHILIP GLASS - The kiss


ARTE COMO ESTILO

(...) (...)O  Encontro é antes de tudo uma produção  do  desejo  de  arte. Ou  melhor, o desejo como arte precede a  técnica. Mas, o que  é  a arte?  Qual  o significado  da  experiência da arte   nesse percurso conceitual? Também   poderíamos  perguntar: como fazer  arte? A arte é um estilo  como   também um exílio, um dom,  uma potência de viver fora das normas prévias, inclusive as  da linguagem verbal. Neste sentido, a clínica  dos transtornos  mentais, sob o atual  paradigma (neuro-científico), nunca esteve tão distante  da  subjetividade do paciente. O paciente como subjetividade é  um processo composto  por  linhas  singulares que se misturam umas às outras. O sistema global  dessas linhas compreende  o que  se  chama de organismo, mais  precisamente organismo visível. A medicina tecnológica  referenda  essa  concepção exercitando a prova  dos  nove da patologia ao fazer “ ver” a doença ou até mesmo ver a  “ sua causa” como nos exames por imagem, nas cifras de exames de laboratório, etc. São  realidades clínicas úteis  sem dúvida, mas que esbarram  diante de  linhas subjetivas abstratas, daí,  sem formas. A arte pode  ser considerada como o meio, a produção e  o produto, a  um só  tempo, destas   linhas  singulares que compõem o paciente. 
(...)
A.M.

PICASSO

"Toda unanimidade é burra.
Quem pensa com a unanimidade não precisa pensar."


N. Rodrigues
QUEM SOFRE?

(...) (...)Problematizando  tais sofrimentos teríamos:  que  afetos  compõem o    sofrimento do  psicótico? Qual a “natureza”  de  tal sofrimento? A família  (e  a sociedade)  sofrem   pelo paciente  ou sofrem  por  si mesmas?   O    psicótico  vive  sob    um estigma. Ou seja, sendo ele  próprio    um  estigma,     carrega   sobre   si a  instituição   da   doença mental   e  o que  lhe é  imanente:  a  vontade   de   controlar.  Assim, a   psiquiatria   é atravessada por um  objetivo  maior e inconfessável:  controlar,  extinguindo, se possível,  o  sintoma  dos  que  são diagnosticados  como  doentes. Numa  sociedade  de controle como  a  do  século  XXI,   este ato  se  inscreve  em modos  de subjetivação apassivados. 
(...)
A.M

SÍLVIA MACHETE - Eu só quero saber de você


sábado, 23 de junho de 2012

"ATIRE EM TUDO QUE SE MEXER"

(...) (...)A loucura é o limite-absoluto da  psiquiatria. A partir do século XIX passa  a ser  a esquizofrenia. É uma entidade clínica  multifacetada e  com  expressões afetivas no mínimo assombrosas. Além disso, ninguém sabe ao certo o que  sente (ou sofre) um esquizofrênico. Seus  afetos não se traduzem  num   sentimento  único de estar doente. Para  responder a essa “ignorância”  clínica,  os  aparelhos de captura lançam mão da  “necessidade de exclusão” como axioma. “Não sei  o que  ele sente, daí  nada  posso fazer  senão excluir”. Não só a exclusão  pela via do hospital, mas a  exclusão-sem-muros, a exclusão incluida  em manuais  técnicos e praticada  como clínica  do cérebro. Falamos  de  um modelo abstrato que governa  a psiquiatra e suas práticas sem que o psiquiatria  disso  saiba. Ele também é um  produto...
(...)
A.M.

DA SERVIDÃO MODERNA

Poeta, s. m. e f.

Indivíduo que enxerga semente germinar e engole céu
Espécie de um vazadouro para contradições
Sabiá com trevas
Sujeito inviável: aberto aos desentendimentos como um 
rosto

Manoel de Barros

PORTINARI

Colhedores de café
O TRABALHO DA DIFERENÇA 

(...) (...)A diferença é o novo, um corte nas  formas  instituídas do  ser-paciente (ou usuário) para  dar  lugar a linhas de vida  dispersas numa multiplicidade.Ora, a psiquiatria está  numa  relação de antinomia com o “novo”  devido aos  seus  compromissos políticos. Uma espécie  de reedição atual do  mito de Sísifo surge na figura do técnico não psiquiatra em saúde mental. O que  fazer  (terapeuticamente)   com o (do)  paciente? Uma  resposta é o  trabalho da diferença. Ele  acontece : na relação do técnico consigo mesmo,  descobrindo-se  como ser  composto e múltiplo; na relação  não hierarquizada do técnico  com o paciente ; no primado da dimensão ético-social  sobre  as  técnicas utilizadas; na  conexão dos  processos  micro-institucionais com as políticas  públicas de saúde mental; na  produção  grupal  da  equipe  técnica voltada  à autonomia e autoanálise organizacional;no questionamento do diagnóstico  psiquiátrico enquanto dispositivo institucional; na busca de uma  conceituação  mais  precisa  de  Saúde  Mental; na  crítica  à  psicofarmacoterapia  como opção  hegemônica  de tratamento;  na  transversalização  dos  saberes  sobre  a loucura materializado em práticas  clínicas;. no cotidiano das  relações pessoais não patológicas; no tempo  decorrido  entre os contatos  técnico-paciente: o entre-tempo;  no tipo de escuta ao discurso considerado delirante; no recorte etiológico a partir do que  é ou não  psicose(diagnóstico).Pontuados  estes  e  outros   temas de  pesquisa,  surgem    eixos  para  intervenções  práticas. Seria  possível  continuar  a  série...  ao infinito.  Ela   expressa  o trabalho da  diferença  em psicopatologia e   se dá   como imediatamente  clínico e crítico.  Neste ponto,  a psicopatologia  torna-se órfã e  adquire  o sentido necessário à composição  dos  artigos.   Ela   se  tece  entre  saberes  heteróclitos,  sendo   regida pela ética  da  potência de criar.   Sem pai  nem mãe,  ídolos,  reis  ou  qualquer  tipo (mesmo disfarçado)  de transcendência,  não se submete aos  poderes dominantes .    Ao contrário,   junta     aliados   não convencionais  e    busca   trair  as   formas instituídas   do saber. 
(...)
A.M. - do livro Trair a psiquiatria (introdução)

CHAPLIN - Discurso


FIM DE MUNDO

Dizem que dezembro de 2012 é fim de mundo.Acredito. Lula fotografado na casa de Maluf é isso mesmo...

A.M.
NOMADIS  DELIRIUM  TEMPORIUM  EST

(...) (...) Caia no mundo dos delírios, bicho, recite versos de Lautrèmont, visite o túmulo de  Franz  Kafka   e você terá uma baba espessa e viscosa escorrendo pelo piso da sala de aula. Inundação... Não se assuste com o Homem Elefante. Ele é uma figura supimpa, apesar de bizarra. Assuste-se com a manchete: “Sexo: com Viagra ou com um software de computador?” Batuta, escuta: tonteiras, enjoos, visão anuviada? Não use Tegretol. O psiquiatra vai receitar. Ele vai, acredite! “Ele não vai parar de te olhar, ele não cansará de olhar...” Dará doses mais altas, cada vez mais ergonômicas, a fim de otimizar seu bem-estar. Mas você deve prezar pela revolução, meu camarada! Ela virá. É tão certo como 2 e 2 são 5. “A revolução, as revoluções são essa espécie de fenômeno quase natural, enfim meio natural e meio histórico, que faz os Estados entrarem num ciclo que, depois de tê-los levados à luz e à plenitude, os faz em seguida desaparecer e se apagar”, diz o Careca. A instituição- psiquiatria não tardará em caminhar com o Leponex, porque ela é um dispositivo de segurança estatal preso a uma concepção cerebral orgânica. Fazer revolução, meu brother, não é se opor a ela; é, sim, inovar fora dela, nos seus arredores, lá onde só os nômades são capazes de acessar o paciente, nos cafundó do Judas. Se não é verdade, me respondam uma coisa: Qual psiquiatra encontraria Gulliver e os liliputianos? Qual psicólogo? O tempo muda, a roda gira, Cronos trabalha, mas as funções apenas se rearrumam, rearranjam, se recombinam de uma forma técnica ou de outra, e tudo retorna ao ponto inicial: a cobiça por controle. Onde está o Aion? Ou, perguntado de outra maneira, tal qual um barbudo do séc. XIX: Como realizar mudanças estruturais? Ou, tal qual Zaratustra: Será possível balançar os eixos, as cinturas, as pernas? De que maneira fazer a psiquiatria dançar? Qual é a forma de fazer a psicologia mexer os quadris? Deleuze indaga: “Não há uma perturbação fundamental do presente, isto é, um fundo que derruba e subverte toda medida, um devir-louco das profundidades que se furta ao presente?” Os corpos perderam suas medidas e não são mais do que simulacros, talvez atores, quem sabe dançarinos... As mudanças ocorrem lá onde o corpo não é mais o organismo-objeto da medicina. 
(...)
A.M. e I.N.

PENSAMENTO RACIONAL - Teatro Absurdo

A VIDA  É  UM  EXCESSO 

A angústia parece constituir a humanidade. Não apenas a angústia, mas a angústia ultrapassada, o ultrapassar da angústia. A vida na sua essência é um   excesso, é a prodigalidade da vida. Interminavelmente esgota as suas forças e recursos, e interminavelmente destrói o que cria. Neste movimento, a multidão dos seres vivos é passiva. Numa posição extrema, contudo, desejamos resolutamente o que faz perigar a nossa vida.
(...)
G. Bataille - do livro O erotismo - o proibido e a transgressão

PHILIP GLASS - Metamorphosis 4

O UNIVERSO DA DIFERENÇA                                        
                                                               
Nada  é  estável. Mesmo  a natureza,  com   seu  cortejo teológico   anexado à  crença  humana  na   “maternidade”, é  fluida  e   mutante.   Mãe-natureza, você   nos  socorre?   Nada.  Não  há  garantias,  salvação  ou   igualdade de  direitos. Quem estabelece  os   direitos? A natureza  é  em essência  cruel e  indeterminada, ainda  que  bela. Esqueça   a moral.   O   argumento da  prática  é   o   empírico  invisível  e fugidio. Defensores do estado (ou do mercado)   se pegam   em discursos intermináveis. Eles querem mais é  controlar a natureza.  Ao contrário,  o universo   da diferença não  tem controle,    não tem  cronos. O  caos  se avizinha num tom musical. Aproveite.A questão  é  a da   vida. Encontrar   quem   o socius    codificou   como  o excluído, mesmo  que, pela  via  da ciência,  seja    o  incluído. As palavras  iludem  e  fazem  de  um problema, a  solução. Inverta a  frase:  faça  da  solução um problema.  Nada  a  compreender,  mas a   aceitar.    Quem   delira  espaços,   culturas,   povos,  políticas  e  a abertura  do   cosmos?  Quem     habita    zonas  produtivas   do  inconsciente?    Como chegar às    angústias  do  seu  mundo? A psiquiatria “confessa” o  fracasso. A psicanálise,  arrogante,   brocha. Estamos, pois,   a     buscar   espíritos  sensíveis   que  encontrem  um  esquizofrênico  sem  o  bom senso do cristianismo secular.  Traçar  linhas   da existência   onde  o capitalismo vacila.  Investir  um risco  infinito: afinal,  quem  é  você?  Não  uma  brincadeira, estou  certo.     A   hora   do  sonho cedeu  lugar à  exigência  de  uma  tarefa clara. Foi ao  banco? Pagou  suas  contas?  O  coração da gente  é o  de   uma  rua  da   cosmópolis.  Nada    é  fixo.  Hoje, o alimento dos  deuses    do capital  faz  de   órfãs     entranhas  edipianas:  escravizaram-nas. Resistir, resistir   na medida em que   nasce  o inumano.  Estar  em carne, mesmo em espírito. Viver  de paradoxos.   Pertencer  ao universo que  vaza  representações   e  canções   à  margem.   A psicologia não  quer.  Ela odeia  a diferença.  Não combina.   Tem ares  de ciência rasa.  Tampouco a psiquiatria e  a  sociedade. Elas  se  alimentam  de narcisos. Há    boas  intenções, sabemos.  Afinal, o humanismo marcou  nossos   gens.  Mas  um  riso sem motivo  tornou-se   o motivo  do riso.  A  hora do acontecimento se  aproxima. 

A.M.

NUNCA SERÃO


o brasil dos calmos
dos pregadores da paz
dos anunciadores do milênio
dos idólatras da modernidade

dos educados
afasta de mim

esse cálice


A.M.

Fala, Amarildo!
O ERRO COMO VERDADE

(...) (...)Para  além e aquém da consciência, “o cérebro é  o espírito  mesmo”.O que chamamos de  espírito é o pensamento. E o paciente, quem é? Ele é uma multiplicidade em ato, “oferecida” a quem o examina. Reduzi-lo a um organismo físico-químico ou a um eu recitando “papá-mamã”,  equivale a um homicídio simbólico cientifica e academicamente respaldado. Todo  paciente é uma  realidade  irredutível às categorias da pessoa e do indivíduo. Essa  é a  condição prática para uma clínica do Encontro ou dos devires. 
(...)
A.M.
Escola Pública

sexta-feira, 22 de junho de 2012

VIAGENS DE MIGUEL

O ano: 2020. Miguel com 9 anos. Eu e Simone somos chamados à escola onde ele estuda: seria algum problema com Miguel? Bate a ansiedade. Onde foi que erramos? De qualquer modo, comparecemos. A professora nos recebe com um ar grave. Junto à diretora, fala: - Sinto ter que dizer a vocês que Miguel não vem se adaptando aos padrões estabelecidos de aprendizado e comportamento desta escola. Repliquei - O que?  Olhei para Simone, pensei cá comigo, não sem um certo alívio... Erramos apenas de escola.

A.M.

STAN GETZ - Autumn leaves

O QUE É LER?

Ler, hoje, é não se ocupar em assimilar adiposidades intelectuais. Pois sim: tudo é fragmento, farelo, contra-saudade do tempo em que Deus organizava os encontros. Ler, hoje, é ligar o livro ao exterior, a um amor ou a toda a dor que se precisar. É agir. Experimente pegar uma frase, armar um jogo, brincar com as letras, arder em brasa, delirar o vento. O livro não mais é a resposta. O conhecimento não mais é o pensamento. Estamos cheios de modelos. Queremos linhas abstratas sem garantias. Ler, hoje, é escolher o risco de um sorriso sem gato como o de Alice. Alguém já disse que a vida é assim.

A.M.
Sem legenda
AINDA MARX


Li Marx ao mesmo tempo que Nietzsche. Achei genial, E para mim são conceitos sempre válidos. Há neles uma crítica radical. O anti-Édipo e Mil platôs estão completamente atravessados por Marx, pelo marxismo. Hoje posso dizer que me sinto completamente marxista. O artigo que publiquei sobre a "sociedade de controle", por exemplo, é completamente marxista e, no entanto, escrevo sobre coisas que Marx não conhecia. Não entendo o que as pessoas querem dizer quando afirmam que Marx se enganou. E ainda menos quando dizem que Marx morreu. Hoje temos tarefas urgentes: é preciso analisar o que é o mercado mundial, quais são suas transformações. E para isso, é preciso passar por Marx.

(...)
G. Deleuze - entrevista a Didier Eribon, 16/11/1995

TITÃS - O pulso ainda pulsa

À PROCURA DA DIFERENÇA: O MÉTODO (continuação)


(...) (...)Um exame do humor pode explicitar o roteiro da diferença. Os afetos  precedem o humor. Este é um tipo de afeto resultante de  forças múltiplas: bioquímicas, psíquicas, sociais, coletivas, etc. O pesquisador (obtuso)  da mente prioriza  a primeira  força  em nome do ideal asséptico da ciência positivista.  Tudo é cérebro como origem.  Trata-se de um reducionismo fabricado em nome da razão médica. Ao inverso, buscamos detectar afetos sutis que só se expressam (grosseiramente) como a entidade depressão, e daí se  inscrevem num rebaixamento da vitalidade. Isso pode ser a depressão como “doença” ou tão apenas uma  síndrome ou  uma  reação depressiva  às circunstâncias sócio-metafísicas. De todo  modo, o encontro com os  afetos  busca a intensidade dos mesmos a partir das condições  subjetivas do paciente. Qualquer um pode deprimir à  medida em que vivencia a cultura  da culpa inscrita  na  carne. Somos todos  cristãos e deprimidos. O paciente traz o humor como  um dado que muitas  vezes lhe  foi  inculcado: “sou  bipolar”. Trata-se de um processo de subjetivação psiquiátrica que se impõe como verdade  diagnóstica. Devires são cortados. 

(...)
A.M..   

SÉRGIO SAMPAIO - Fui internado ontem...

LOUCURA NÃO-MÉDICA

A saúde não é assunto só da medicina, muito menos a saúde mental. Não é possível   falar de  uma  saúde mental oficial. Não há decreto para o conceito, porque não  há o conceito e  sim conceitos   criados sob contingências sociais e políticas.O conceito  oficial  de  saúde mental é  uma   instituição, modelo abstrato de intervir sobre o outro, o paciente. A saúde mental   deixa  de   ser um processo para se tornar um aparelho. Daí, trabalhar  a  partir  da experiência do paciente, mormente na psicose, requer do técnico  ir “além” desse aparelho. Este não dá conta da complexidade das  crenças e  dos afetos. Usamos a loucura como uma espécie  de  não-conceito,  campo de intensidades fluidas. Ele segue o fluxo dos devires, empurra e isola   a saúde mental para  o campo da repetição serial do  diagnóstico. Enfim,  libera um espaço de  criação  e  redefine o propósito de encontrar o paciente e não o  de examiná-lo.  Sabemos  que  isso   é difícil  pois a  saúde mental opera num regime binário de significação: normais ou doentes. É uma marca de  poder. Conta com dispositivos reducionistas  para chegar ao paciente. Entre  eles, o   exame psíquico. Este enquadra a expressão do outro como doença, patologia,  síndrome, transtorno, tanto faz. Chegar ao paciente não é encontrá-lo.Este pensamento se materializa em práticas de  fabricação e controle de subjetividades individuadas: o louco varrido, o traste. Há  um uso da loucura  como representação da realidade,  e não a própria realidade
(...)
A.M.

GRUPO CORPO - Nazareth

ESQUIZO-ENTREVISTA – 18/05/2012

O seu livro não é científico.
De fato, não houve  pretensão de sê-lo.

Se não é científico, onde está a verdade?
A  Verdade da Ciência não é a Única...

Por que ataca a psiquiatria?
Porque ela pôs a cara desde há pelo menos 300 anos. Questão estratégica. Além do mais, sou psiquiatra.

Não entendi.
Por  ser psiquiatra, falo de um certo lugar, ou melhor, do lugar certo para falar.

Continuo sem entender.
É simples: pense numa espécie de autocrítica sem culpa nem ressentimento; pense como Dostoievski: memórias da casa dos mortos.

O que lhe moveu ao escrever?
Muitas coisas. Talvez uma das maiores foi o desejo de afetar técnicos não psiquiatras em prol de linhas de pesquisa fora do enquadre psiquiátrico.

Como é o seu diálogo com os psiquiatras?
Não existe.

Por que?
Porque a instituição psiquiatria é poderosa e capturou  quase todos.

Mas, você é psiquiatra.
Sim, psiquiatra e... muitas outras coisas... multiplicidades...

Mais uma vez não entendi.
Não é para entender mesmo.

Obrigado.
Não há de que.

A.M.


LOUIS ARMSTRONG - Cabaret


A ciência é um empreendimento essencialmente anárquico: o anarquismo teorético é mais humanitário e mais suscetível de estimular o progresso do que suas alternativas representadas por ordem e lei (...) (...) Isso é demonstrado seja pelo exame de episódios históricos, seja pela análise da relação entre idéia e ação. O único princípio que não inibe o progresso é: tudo vale.
(...)
Paul Feyerabend - do livro Contra o método

ALDEMIR MARTINS

Paisagem
(...)(...)Propomos, então,  avaliar  o “pensar” ao invés  do pensamento;  este, um   depósito  de  sanções  conceituais  dualísticas, seja  como   o puro espírito,   seja  como secreção oriunda  de um cérebro apassivado. Nem uma coisa nem outra, o pensamento é  o fluxo dos devires que  traça suas linhas tortuosas na busca  de  expressões do mundo.  Uma clínica  voltada apenas  à visibilidade das  coisas  não mostra  isso. Ademais, fabrica outro  corpo e o chama de  organismo. Onde  estaria  o pensamento? Nas  alturas  do espírito? Na “outra cena” ? Ele  é o que  viaja, ainda  que possa  estar  no mesmo  lugar. Seus  vôos têm a marca  do invisível e  da velocidade. 
(...)
A.M. 

quinta-feira, 21 de junho de 2012

ANA CAÑAS - Retrato em branco e preto

A "INSTITUIÇÃO" NÃO É A "ORGANIZAÇÃO"

(...) (...)Trazemos da análise institucional o conceito de instituição. Desse  modo, a  instituição “Saúde  Mental” compreende uma forma  social (ou uma  forma  geral  das relações sociais)  traduzida subjetivamente. É uma  produção, mas  uma produção abstrata, daí  não necessariamente visível  ou mensurável. E também   concreta, pois seus efeitos são práticos. Se traduzem  em  relações  sociais  onde  circulam  elementos   interpessoais, familiares,  técnicos, clínicos etc. São, por assim  dizer, a materialidade do cotidiano.Ao dizer   “instituição” e não “organização” da  Saúde  Mental,  evitamos captar o dado apenas empírico, ou seja, o das identidades fixadas em  papéis sociais, como  por  exemplo os de psiquiatra e/ou de doente mental. É que para chegar aos problemas  reais  e às  suas causas,  buscamos outro olhar . Um olhar  que  quebre os clichês perceptivos  marcados pela moral e inseridos no universo da representação   .
(...)
A.M.

Chapada Diamantina - Cachoeira do Buracão
As sujidades deram cor em mim.
Estou deitado em compostura de águas.
Na posição de múmia me acomodo.
Não uso morrimentos de teatro.
Minha luta não é por frontispícios.
O desenho do céu me indetermina.
O viço de um jacinto me engalana.
O fim do dia aumenta meu desolo.
Às vezes passo por desfolhamentos.
Vou desmorrer de pedra como um frade.

Manoel de Barros
À PROCURA DA DIFERENÇA: O MÉTODO

O psiquiatra tem  à sua  frente o “movimento”  e só  consegue  ver  a forma estática e a  matéria  sólida.   Claro, foi  treinado   para isso.Falamos de  outra  coisa, a clínica  in vivo, o  trabalho   com a  matéria invisível, o meio do qual o paciente faz parte,  a ausência  de coordenadas  espaço-temporais  estáveis. O  eu  é uma delas. Quem você é  ?  Isso  vale   para  o psiquiatra  seguro  da (sua)  verdade. A incerteza do  eu  e  das  crenças  básicas  precede  o  Encontro.   Não  há   clichês. O  paciente   não  tem forma.  Seu  desejo  não  tem  forma.  Ele age  como  produção de universos móveis.  Isso é difícil  de  aceitar. Como   encontrar  o paciente pela via  da multiplicidade? Como acessá-lo de  um modo  diferente do da psiquiatria  biológica e farmacológica? Parece quase impossível ou  talvez algo  delirante para  os  que  estão presos à   grade da CID-10. Encontrar o paciente é encontrar  a si  mesmo. Esta seria  uma  fórmula  estéril  se  estivesse   atada  à  visão do eu como  interioridade  psíquica.  Contudo, trata-se de  outra  coisa.  Buscamos sair  de nós  mediante uma exposição  aos  signos do  mundo. “Você  traz  novidades que  me  fazem ser  diferente”. É  uma base  para  o tratamento, são potências  a  serem  descobertas  no paciente e no psiquiatra. O paciente, apesar  de  codificado pela  psiquiatria,  funciona  em  linhas  da   diferença  que vazam. A forma dada,  estática,  no fim  das  contas, é  efeito  do  poder  médico. Isso dificulta  uma   prática em direção a  expressões  novas. Sendo assim,  o exame da mente para encontrar a mente  terá    que  se   transformar   numa produção/intuição de multiplicidades. Não  mais    haveria   exame  mental  porque  a “mente” não  é  algo  visível. E o que  seria  examinado  (ou  encontrado)?
                 Devires. Eles compõem processos  do desejo e articulam   crenças. Deste modo,  afetos e  crenças desarranjam a máquina dos sintomas-fármacos.
(...)
A.M.