Este blog busca problematizar a Realidade mediante a expressão de linhas múltiplas e signos dispersos.
sábado, 30 de junho de 2012
CLÍNICA DAS DEPRESSÕES
(...) (...)Não existe a doença “depressão”e sim estados depressivos inseridos em linhas existenciais concretas.É o que chamamos de síndromes.Estas, como as vivências, "precedem" as depressões, conectando os estratos físico-químicos aos psíquicos e aos coletivos.Uma atitude transdisciplinar se impõe na pesquisa. Do contrário o reducionismo cientificista vai exibir suas pinças assépticas, como no caso da psiquiatria biológica.
(...)
A.M.
LA MÁQUINA
(...) (...)A forma-psiquiatria é este segmento dominante no funcionamento da equipe. Não importa que os psiquiatras se sintam desconfortáveis com o avanço da luta antimanicomial. Afinal, a psiquiatria mantém um status baseado na medicina, o que opera efeitos concretos, entre eles, o da farmacologização subjetiva. Há uma fabricação do rosto do paciente que funciona em oposição ao rosto normal .Quem o fabrica? O autor não é identificável. Uma máquina binária (médico-paciente) é implantada no seio da clínica.
(...)
A.M.
O QUE FAZER?
O remédio químico parece ser a saída dos males civilizatórios. Do admirável mundo novo aos dias atuais, a psiquiatria desponta como representante de um conservadorismo com ares de ciência exata. A capacidade de manobra política junto ao Estado e ao Mercado não deixa de impressionar. Há uma espécie de imbecilidade programada que circula como verdade.O paciente, situado na ponta dos efeitos subjetivos do capital, responde ok à fabricação de si mesmo.Uma tarefa do técnico em saúde mental se mostra, pois, um desafio impossível e lúcido.
A.M.
sexta-feira, 29 de junho de 2012
VIAGENS DE MIGUEL
Miguel conquista o mundo. O mundo são as forças que lhe rodeiam. Falo dos riscos. Mas, que adianta? Seus movimentos excedem... e vão ao encontro do mundo. Mais: fazem de um dia chato um brilho novo.Vivo, ou procuro viver, com a infância que Miguel me traz. Sem culpa ou vergonha, ele faz um mundo de fantasias reais como o de um delirante. A diferença é que Miguel toma a fantasia como seu ser próprio.Fantasia carnal, visceral. Todos acreditam nele porque não acreditam na infância. Cruel paradoxo. Só suportam um ser-criança falando de coisas irreais. Trata-se de uma brincadeira, ora. Vibre, corra, dance. Tudo bem. No fim das contas, o mundo adulto confessa sua estupidez usual. E aí, o que dizer a Miguel nessa linha de vida anárquica e desejante? Meu coração vacila entre viveres múltiplos. Seus afetos atravessam a noite e me fazem singular. A vida apronta séries desconexas. O tempo chega apressado. A manhã arde de desejo.
A.M.
LOUCURA E MAGIA NEGRA
Os manicômios são conscientes e premeditados recipientes de magia negra, não só por os médicos promoverem a magia por suas inoportunas e híbridas terapias, mas por praticarem-na.
Se não houvessem médicos
nunca haveria doentes,
nem esqueletos dos mortos
doentes para serem esfolados e retalhados,
pois a sociedade não começou com os doentes mas sim com os
médicos.
(...)
A. Artaud
O CÉREBRO NO FORMOL
(...) (...). Não por acaso, os compêndios ou manuais de psiquiatria são simplórios em termos de produções teóricas sobre fatores etiológicos não-bioquímicos das doenças .O que está verdadeiramente em jogo na avaliação do paciente é o controle não só do seu comportamento (isso é óbvio demais) mas da sua alma. Para controlar há que produzir.Como a alma é imaterial, sem deixar de ser concreta, o controle passa a ser a produção de uma alma neuro-química seguindo os padrões de funcionamento do organismo.O cérebro é produzido como uma espécie de substância da mente ou da subjetividade. Desse modo, o sofrimento vai sendo produzido como subjetividade-cérebro.
(...)
A.M.
quinta-feira, 28 de junho de 2012
ESQUIZO-PERGUNTA
-O que é a loucura para você.?
-De forma resumida, posso dizer que a loucura é uma experiência lancinante ( podendo ser ou não destrutiva) que atinge em cheio as capacidades do eu. Bleuler já dizia isso há 100 anos. Essa é talvez a sua essência mais “profunda”. É preciso saber a que isso leva, aonde isso vai, como isso se expressa em termos da vida do paciente. O que a psiquiatria chama de psicose ou esquizofrenia, por exemplo, está muito longe de tocar o universo da loucura. Pior, a psiquiatria produz algo que chama de “doença” e até convence o paciente. Que se passa? Um paciente que não se sente doente? Ora,para o mais simplório dos pesquisadores da mente, há algo profundamente equivocado nas premissas da psiquiatria.
(...)
(...)
A.M.
ORIGENS "BAIXAS" DA PSIQUIATRIA
(...) (...)O psiquiatra é médico, eis um truísmo útil. Por quê? Porque, na psiquiatria, um a priori de poder funciona na relação com o paciente e impõe uma tecnologia de controle. Apesar disso, a história da psiquiatria oficial construiu a díade do atendimento sob o manto apaziguador da Ciência. A relação tornou-se, pois, vazada por uma violência implícita, daí não percebida pelo senso comum.
(...)
A.M.
quarta-feira, 27 de junho de 2012
MICRO-POLÍTICA
O corpo-sem-órgãos (CsO) é um anticonceito, limite intransponível da experiência. Processo esquizofrênico. No caso da entidade clínica é prática de vida que aparentemente fracassou. Mesmo assim permanece ativo enquanto coleção de linhas existenciais sem contorno, fluxos nômades, gritos.São as máquinas do desejo. A subjetivação é, pois, uma dessubjetivação incessante. Somos todos esquizos. Considere o seu próprio corpo. Ele é invenção de mundos. Não o corpo do qual a medicina, papai-mamãe e a escola gostam. É outra coisa, uma política. Aparece aqui e ali em situações de grande responsabilidade moral – para desfazer a moral. Se você perguntar qual o meu corpo , eu lhe direi: sigo os afetos: uns me encantam, outros são insuportáveis. Risco dos encontros, puro desejo escorrendo cruel. Veja o paciente. Seu corpo liga-se ao mundo dos códigos estáveis. Eles são usados para a repetição do Mesmo. A antiprodução é, assim, inserida na produção. Convite ao normal. Mas, o que aconteceria se milhões de corpos sem órgãos fossem movidos ao combustível alegria? O corpo seria o de uma dançarina saltando na relva? O de um soldado numa trincheira? Ora, os corpos são invisíveis. Sua potência esgueira-se por entre as franjas da racionalidade proprietária do eu. Não há corpos opacos. Somos fibras de luz e só os videntes enxergam para além de toda moral e de toda técnica. O CsO é uma política de guerreiros esquizos. Eles não se deixam ver. Usam máscaras rentes à pele. Você nem sabe que é um. Mas, não anuncie a sua chegada, não reclame, não ressinta. Cultive o segredo. Faça rizomas.
(...)
A.M.
terça-feira, 26 de junho de 2012
SINTOMA
O paciente carrega sintomas. O médico conversa com eles. Todo paciente é uma multiplicidade de sintomas, inclusive ele. O eu-sintoma se expressa por signos. Envia signos, não para serem decodificados, mas para criarem um mundo. Este mundo precisa de aliados, operadores de territórios. Então, o sintoma que a farmacoterapia alcança, “deve” ser substituído por territórios existenciais. Pode ser qualquer coisa, a mais insignificante. Caso não aconteça, o paciente vira o sintoma que vira o diagnóstico que não vira mais . Isso fecha uma ação redundante sobre si mesmo, um sistema fechado. Como Ilya Prigogine, acreditamos nos sistemas longe do equilíbrio onde rearranjos da matéria afirmam universos virtuais . Desse modo, sintomas podem ser usados como trampolins psíquicos, disparadores de processos vitais. A psiquiatria, ela própria, é um sintoma, ou um analisador da sociedade industrial. Extingui-lo seria extingui-la. Isso não é (ainda) possível face às atuais correlações de forças . No entanto, reutilizá-la em pedaços dispersos para uma clínica a se inventar... como fazer?
(...)
A.M.
TRANSTORNO DE PERSONALIDADE: PROBLEMAS
(...) (...)É importante ressaltar que a violência e a agressão não são os únicos atributos do TP anti-social. Tampouco são atributos fora da realidade social. Ao contrário, não só em tempos de capitalismo, mas a história da humanidade é a da destruição em massa de populações e indivíduos. A reificação da violência, bem como a sua adesão insuspeita a certos segmentos sociais, faz por fabricar o personagem anti-social para que seja “cuidado” por agências de controle do estado. A psiquiatria participa da trama, mas é claro que não comanda. Aliás, quem comanda tudo isso? O diagnóstico clínico, o parecer forense, os sintomas, a extensa lista dos transtornos mentais, o binômio ordem/desordem, toda a fraseologia psicopatológica reducionista girando em torno da diferença, compõem o pensamento médico voltado ao controle dos menores gestos, mesmo cerebrais, principalmente cerebrais.Não há um comando central, mas o poder médico estilhaçado em subjetividades técnicas CIDando mal.
(...)
A.M.
segunda-feira, 25 de junho de 2012
A PSIQUIATRIA NÃO SABE DAS PSICOSES
Estudar as psicoses implica em tocar nas questões fundamentais da psicopatologia. Vejamos porque. O que é hoje considerado psicose se aproxima do que antes era chamado loucura. No entanto, o conceito de psicose é impreciso.Tal imprecisão atravessa a história da psiquiatria. Por que um tema tão importante recai numa insuficiência conceitual? Tudo remete à questão do diagnóstico, que é por onde se dão as ações terapêuticas (práticas) da psiquiatria. Mesmo mal diagnosticada (será uma psicose? que tipo?) há que se intervir concretamente, pois o psicótico incomoda à Ordem. Mas, afinal, o que são as psicoses? São síndromes psicopatológicas graves. Elas se caracterizam sobretudo por uma ruptura do paciente- em maior ou menor grau com a Realidade. Seus sintomas incluem basicamente delírios, alucinações, alterações do eu, da afetividade e do comportamento social.O rompimento com a Realidade é acompanhado por situações sociais de constrangimento, onde o rechaço e a humilhação encontram no hospital psiquiátrico o exemplo da prática de segregação cientificamente respaldada. Já que o conceito clínico de psicoses é impreciso, sua etiologia (estudo das causas) também o é.O campo das psicoses é muito rico em manifestações clínicas e em pesquisas teóricas. No primeiro caso, há que diferenciar as psicoses dos vários quadros patológicos não-psicóticos. No segundo, o trabalho conceitual usa aportes de campos diversificados do conhecimento, tal a sua complexidade.
O tratamento das psicoses está condicionado às hipóteses etiológicas do quadro psicopatológico visado, e às singularidades do paciente.
A.M.
DA EXPERIÊNCIA POÉTICA
(...) (...) Portanto, é precisamente dizer, quando falo: a morte fala em mim. Minha palavra é a advertência de que a morte está, nesse exato momento, solta no mundo, que entre mim, que falo, e a pessoa que interpelo aquela surgiu subitamente: ela está entre nós como a distância que nos separa, mas essa distância é também o que nos impede de estar separados, pois nela reside a condição de todo entendimento. Somente a morte me permite agarrar o que quero alcançar: nas palavras, ela é a única possibilidade de seus sentidos. Sem a morte, tudo desmoronaria no absurdo e no nada.
(...)
Maurice Blanchot - do livro A parte do fogo
A LINHA ESQUIZO
Sabemos que a Consciência é regida por representações da realidade. Ela traz a certeza de si ancorada no eu, (que também é uma representação), estanca os devires e fabrica impressões de identidade. Isto é uma mesa. Aquele é o paciente. A suposta identidade do outro vem atada a um modelo cognitivo único: a razão. Institui-se, assim, o hábito de que o pensamento é um decalque do real. Contudo, pensar só é possível “encontrando” o lado de fora, a linha do Fora. O que é isso? Chamamos a mente de subjetividade. Ela expressa um mundo próprio mediante a criação de processos singulares. Rigorosamente, não há “dentro” nem “fora” da subjetividade. A expressão “no mundo” já é um mundo, mesmo que seja delirante. O eu se esfuma em proveito de linhas de vida que escorrem pelo corpo. O centro deixa de ser o eu para ser o corpo- superfície onde se inscreve o desejo. O corpo é o desejo. Aqui se traçam e se trançam linhas existenciais. Seguindo Deleuze, são 3 as linhas que nos constituem. Enroladas umas nas outras, às vezes indiscerníveis para um olhar-clichê. Temos: a linha molar (ou sedentária), a molecular (ou nômade) e a de fuga. Vejamos algumas de suas características no campo da saúde mental, mais especificamente no paciente. A linha sedentária estabelece um papel social “estável” hoje nomeado “portador de transtorno mental”. A linha nômade expressa singularizações que escapam à forma-doença. São estilos de vida, maquinando uma certa arte, talvez a arte de viver. Por fim, a linha de fuga; a mais inesperada e louca: traduz universos insólitos não sonhados pela organização molar.É o mundo abstrato das formas não instituidas. Tudo isso compõe os processos subjetivos. A linha de fuga, sem dúvida, a mais estranha e arriscada, traz a questão da loucura para dentro da Clínica. Deste modo, a avaliação da Consciência é apenas um elemento ( dos mais frágeis) para se poder dizer “quem é o paciente?” A sua identidade, estabelecida pela razão psiquiátrica e por todas as razões de mando e comando, revela-se uma linha pronta a se encaixar no molde diagnóstico. Qual o CID? Falamos de outra coisa, talvez inominável. Portamos a Consciência e suas representações da realidade porque a tal Realidade não é a “nossa” e sim a que nos fazem acreditar. O paciente recusa-a. Ele escapa por linhas-sintomas (o delírio, a alucinação, etc) nem sempre criativas, e muitas vezes destrutivas para si e para os outros. As linhas moleculares (singularizações) se tornam meras esquisitices e as linhas de fuga buracos negros enregelados e malditos. A linha esquizo passa então a ser a entidade clínica tão cara à psiquiatria e aos seus axiomas. Veja: é esquizofrenia! Apesar disso, ela é a linha do Fora ( onde é possível pensar) pois está em contato com forças inumanas. O Inconsciente não freudiano, reservatório de multiplicidades pulsantes, está aí, mesmo sem ser visto. A arte, mais uma vez, comparece. Seus paradoxos e expressões são uma linha esquizo se esboçando, se fazendo...
(...)
A.M.
domingo, 24 de junho de 2012
VELOCIDADES
As crianças são rápidas porque sabem deslizar entre. Fanny imagina a mesma coisa da velhice: há também nesse caso, um devir-velho que define as velhices bem sucedidas, ou seja, um envelhecer-rápido que se opõe a impaciência comum dos velhos, a seu despotismo, à sua angústia da noite (cf. a maldita fórmula "a vida é curta demais..."). Envelhecer rápido, segundo Fanny, não é envelhecer precocemente, seria, ao contrário, a paciência que permite, justamente, apreender todas as velocidades que passam. Ora, acontece o mesmo com o escrever. Escrever deve produzir velocidade. O que não quer dizer escrever depressa.
(...)
C. Parnet e G. Deleuze - do livro Diálogos
ARTE COMO ESTILO
(...) (...)O Encontro é antes de tudo uma produção do desejo de arte. Ou melhor, o desejo como arte precede a técnica. Mas, o que é a arte? Qual o significado da experiência da arte nesse percurso conceitual? Também poderíamos perguntar: como fazer arte? A arte é um estilo como também um exílio, um dom, uma potência de viver fora das normas prévias, inclusive as da linguagem verbal. Neste sentido, a clínica dos transtornos mentais, sob o atual paradigma (neuro-científico), nunca esteve tão distante da subjetividade do paciente. O paciente como subjetividade é um processo composto por linhas singulares que se misturam umas às outras. O sistema global dessas linhas compreende o que se chama de organismo, mais precisamente organismo visível. A medicina tecnológica referenda essa concepção exercitando a prova dos nove da patologia ao fazer “ ver” a doença ou até mesmo ver a “ sua causa” como nos exames por imagem, nas cifras de exames de laboratório, etc. São realidades clínicas úteis sem dúvida, mas que esbarram diante de linhas subjetivas abstratas, daí, sem formas. A arte pode ser considerada como o meio, a produção e o produto, a um só tempo, destas linhas singulares que compõem o paciente.
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A.M.
QUEM SOFRE?
(...) (...)Problematizando tais sofrimentos teríamos: que afetos compõem o sofrimento do psicótico? Qual a “natureza” de tal sofrimento? A família (e a sociedade) sofrem pelo paciente ou sofrem por si mesmas? O psicótico vive sob um estigma. Ou seja, sendo ele próprio um estigma, carrega sobre si a instituição da doença mental e o que lhe é imanente: a vontade de controlar. Assim, a psiquiatria é atravessada por um objetivo maior e inconfessável: controlar, extinguindo, se possível, o sintoma dos que são diagnosticados como doentes. Numa sociedade de controle como a do século XXI, este ato se inscreve em modos de subjetivação apassivados.
(...)
A.M.
sábado, 23 de junho de 2012
"ATIRE EM TUDO QUE SE MEXER"
(...) (...)A loucura é o limite-absoluto da psiquiatria. A partir do século XIX passa a ser a esquizofrenia. É uma entidade clínica multifacetada e com expressões afetivas no mínimo assombrosas. Além disso, ninguém sabe ao certo o que sente (ou sofre) um esquizofrênico. Seus afetos não se traduzem num sentimento único de estar doente. Para responder a essa “ignorância” clínica, os aparelhos de captura lançam mão da “necessidade de exclusão” como axioma. “Não sei o que ele sente, daí nada posso fazer senão excluir”. Não só a exclusão pela via do hospital, mas a exclusão-sem-muros, a exclusão incluida em manuais técnicos e praticada como clínica do cérebro. Falamos de um modelo abstrato que governa a psiquiatra e suas práticas sem que o psiquiatria disso saiba. Ele também é um produto...
(...)
A.M.
O TRABALHO DA DIFERENÇA
(...) (...)A diferença é o novo, um corte nas formas instituídas do ser-paciente (ou usuário) para dar lugar a linhas de vida dispersas numa multiplicidade.Ora, a psiquiatria está numa relação de antinomia com o “novo” devido aos seus compromissos políticos. Uma espécie de reedição atual do mito de Sísifo surge na figura do técnico não psiquiatra em saúde mental. O que fazer (terapeuticamente) com o (do) paciente? Uma resposta é o trabalho da diferença. Ele acontece : na relação do técnico consigo mesmo, descobrindo-se como ser composto e múltiplo; na relação não hierarquizada do técnico com o paciente ; no primado da dimensão ético-social sobre as técnicas utilizadas; na conexão dos processos micro-institucionais com as políticas públicas de saúde mental; na produção grupal da equipe técnica voltada à autonomia e autoanálise organizacional;no questionamento do diagnóstico psiquiátrico enquanto dispositivo institucional; na busca de uma conceituação mais precisa de Saúde Mental; na crítica à psicofarmacoterapia como opção hegemônica de tratamento; na transversalização dos saberes sobre a loucura materializado em práticas clínicas;. no cotidiano das relações pessoais não patológicas; no tempo decorrido entre os contatos técnico-paciente: o entre-tempo; no tipo de escuta ao discurso considerado delirante; no recorte etiológico a partir do que é ou não psicose(diagnóstico).Pontuados estes e outros temas de pesquisa, surgem eixos para intervenções práticas. Seria possível continuar a série... ao infinito. Ela expressa o trabalho da diferença em psicopatologia e se dá como imediatamente clínico e crítico. Neste ponto, a psicopatologia torna-se órfã e adquire o sentido necessário à composição dos artigos. Ela se tece entre saberes heteróclitos, sendo regida pela ética da potência de criar. Sem pai nem mãe, ídolos, reis ou qualquer tipo (mesmo disfarçado) de transcendência, não se submete aos poderes dominantes . Ao contrário, junta aliados não convencionais e busca trair as formas instituídas do saber.
(...)
A.M. - do livro Trair a psiquiatria (introdução)
NOMADIS DELIRIUM TEMPORIUM EST
(...) (...) Caia no mundo dos delírios, bicho, recite versos de Lautrèmont, visite o túmulo de Franz Kafka e você terá uma baba espessa e viscosa escorrendo pelo piso da sala de aula. Inundação... Não se assuste com o Homem Elefante. Ele é uma figura supimpa, apesar de bizarra. Assuste-se com a manchete: “Sexo: com Viagra ou com um software de computador?” Batuta, escuta: tonteiras, enjoos, visão anuviada? Não use Tegretol. O psiquiatra vai receitar. Ele vai, acredite! “Ele não vai parar de te olhar, ele não cansará de olhar...” Dará doses mais altas, cada vez mais ergonômicas, a fim de otimizar seu bem-estar. Mas você deve prezar pela revolução, meu camarada! Ela virá. É tão certo como 2 e 2 são 5. “A revolução, as revoluções são essa espécie de fenômeno quase natural, enfim meio natural e meio histórico, que faz os Estados entrarem num ciclo que, depois de tê-los levados à luz e à plenitude, os faz em seguida desaparecer e se apagar”, diz o Careca. A instituição- psiquiatria não tardará em caminhar com o Leponex, porque ela é um dispositivo de segurança estatal preso a uma concepção cerebral orgânica. Fazer revolução, meu brother, não é se opor a ela; é, sim, inovar fora dela, nos seus arredores, lá onde só os nômades são capazes de acessar o paciente, nos cafundó do Judas. Se não é verdade, me respondam uma coisa: Qual psiquiatra encontraria Gulliver e os liliputianos? Qual psicólogo? O tempo muda, a roda gira, Cronos trabalha, mas as funções apenas se rearrumam, rearranjam, se recombinam de uma forma técnica ou de outra, e tudo retorna ao ponto inicial: a cobiça por controle. Onde está o Aion? Ou, perguntado de outra maneira, tal qual um barbudo do séc. XIX: Como realizar mudanças estruturais? Ou, tal qual Zaratustra: Será possível balançar os eixos, as cinturas, as pernas? De que maneira fazer a psiquiatria dançar? Qual é a forma de fazer a psicologia mexer os quadris? Deleuze indaga: “Não há uma perturbação fundamental do presente, isto é, um fundo que derruba e subverte toda medida, um devir-louco das profundidades que se furta ao presente?” Os corpos perderam suas medidas e não são mais do que simulacros, talvez atores, quem sabe dançarinos... As mudanças ocorrem lá onde o corpo não é mais o organismo-objeto da medicina.
(...)
A.M. e I.N.
A VIDA É UM EXCESSO
A angústia parece constituir a humanidade. Não apenas a angústia, mas a angústia ultrapassada, o ultrapassar da angústia. A vida na sua essência é um excesso, é a prodigalidade da vida. Interminavelmente esgota as suas forças e recursos, e interminavelmente destrói o que cria. Neste movimento, a multidão dos seres vivos é passiva. Numa posição extrema, contudo, desejamos resolutamente o que faz perigar a nossa vida.
(...)
G. Bataille - do livro O erotismo - o proibido e a transgressão
O UNIVERSO DA DIFERENÇA
Nada é estável. Mesmo a natureza, com seu cortejo teológico anexado à crença humana na “maternidade”, é fluida e mutante. Mãe-natureza, você nos socorre? Nada. Não há garantias, salvação ou igualdade de direitos. Quem estabelece os direitos? A natureza é em essência cruel e indeterminada, ainda que bela. Esqueça a moral. O argumento da prática é o empírico invisível e fugidio. Defensores do estado (ou do mercado) se pegam em discursos intermináveis. Eles querem mais é controlar a natureza. Ao contrário, o universo da diferença não tem controle, não tem cronos. O caos se avizinha num tom musical. Aproveite.A questão é a da vida. Encontrar quem o socius codificou como o excluído, mesmo que, pela via da ciência, seja o incluído. As palavras iludem e fazem de um problema, a solução. Inverta a frase: faça da solução um problema. Nada a compreender, mas a aceitar. Quem delira espaços, culturas, povos, políticas e a abertura do cosmos? Quem habita zonas produtivas do inconsciente? Como chegar às angústias do seu mundo? A psiquiatria “confessa” o fracasso. A psicanálise, arrogante, brocha. Estamos, pois, a buscar espíritos sensíveis que encontrem um esquizofrênico sem o bom senso do cristianismo secular. Traçar linhas da existência onde o capitalismo vacila. Investir um risco infinito: afinal, quem é você? Não uma brincadeira, estou certo. A hora do sonho cedeu lugar à exigência de uma tarefa clara. Foi ao banco? Pagou suas contas? O coração da gente é o de uma rua da cosmópolis. Nada é fixo. Hoje, o alimento dos deuses do capital faz de órfãs entranhas edipianas: escravizaram-nas. Resistir, resistir na medida em que nasce o inumano. Estar em carne, mesmo em espírito. Viver de paradoxos. Pertencer ao universo que vaza representações e canções à margem. A psicologia não quer. Ela odeia a diferença. Não combina. Tem ares de ciência rasa. Tampouco a psiquiatria e a sociedade. Elas se alimentam de narcisos. Há boas intenções, sabemos. Afinal, o humanismo marcou nossos gens. Mas um riso sem motivo tornou-se o motivo do riso. A hora do acontecimento se aproxima.
A.M.
O ERRO COMO VERDADE
(...) (...)Para além e aquém da consciência, “o cérebro é o espírito mesmo”.O que chamamos de espírito é o pensamento. E o paciente, quem é? Ele é uma multiplicidade em ato, “oferecida” a quem o examina. Reduzi-lo a um organismo físico-químico ou a um eu recitando “papá-mamã”, equivale a um homicídio simbólico cientifica e academicamente respaldado. Todo paciente é uma realidade irredutível às categorias da pessoa e do indivíduo. Essa é a condição prática para uma clínica do Encontro ou dos devires.
(...)
A.M.
sexta-feira, 22 de junho de 2012
VIAGENS DE MIGUEL
O ano: 2020. Miguel com 9 anos. Eu e Simone somos chamados à escola onde ele estuda: seria algum problema com Miguel? Bate a ansiedade. Onde foi que erramos? De qualquer modo, comparecemos. A professora nos recebe com um ar grave. Junto à diretora, fala: - Sinto ter que dizer a vocês que Miguel não vem se adaptando aos padrões estabelecidos de aprendizado e comportamento desta escola. Repliquei - O que? Olhei para Simone, pensei cá comigo, não sem um certo alívio... Erramos apenas de escola.
A.M.
O QUE É LER?
Ler, hoje, é não se ocupar em assimilar adiposidades intelectuais. Pois sim: tudo é fragmento, farelo, contra-saudade do tempo em que Deus organizava os encontros. Ler, hoje, é ligar o livro ao exterior, a um amor ou a toda a dor que se precisar. É agir. Experimente pegar uma frase, armar um jogo, brincar com as letras, arder em brasa, delirar o vento. O livro não mais é a resposta. O conhecimento não mais é o pensamento. Estamos cheios de modelos. Queremos linhas abstratas sem garantias. Ler, hoje, é escolher o risco de um sorriso sem gato como o de Alice. Alguém já disse que a vida é assim.
A.M.
AINDA MARX
Li Marx ao mesmo tempo que Nietzsche. Achei genial, E para mim são conceitos sempre válidos. Há neles uma crítica radical. O anti-Édipo e Mil platôs estão completamente atravessados por Marx, pelo marxismo. Hoje posso dizer que me sinto completamente marxista. O artigo que publiquei sobre a "sociedade de controle", por exemplo, é completamente marxista e, no entanto, escrevo sobre coisas que Marx não conhecia. Não entendo o que as pessoas querem dizer quando afirmam que Marx se enganou. E ainda menos quando dizem que Marx morreu. Hoje temos tarefas urgentes: é preciso analisar o que é o mercado mundial, quais são suas transformações. E para isso, é preciso passar por Marx.
(...)
G. Deleuze - entrevista a Didier Eribon, 16/11/1995
À PROCURA DA DIFERENÇA: O MÉTODO (continuação)
(...) (...)Um exame do humor pode explicitar o roteiro da diferença. Os afetos precedem o humor. Este é um tipo de afeto resultante de forças múltiplas: bioquímicas, psíquicas, sociais, coletivas, etc. O pesquisador (obtuso) da mente prioriza a primeira força em nome do ideal asséptico da ciência positivista. Tudo é cérebro como origem. Trata-se de um reducionismo fabricado em nome da razão médica. Ao inverso, buscamos detectar afetos sutis que só se expressam (grosseiramente) como a entidade depressão, e daí se inscrevem num rebaixamento da vitalidade. Isso pode ser a depressão como “doença” ou tão apenas uma síndrome ou uma reação depressiva às circunstâncias sócio-metafísicas. De todo modo, o encontro com os afetos busca a intensidade dos mesmos a partir das condições subjetivas do paciente. Qualquer um pode deprimir à medida em que vivencia a cultura da culpa inscrita na carne. Somos todos cristãos e deprimidos. O paciente traz o humor como um dado que muitas vezes lhe foi inculcado: “sou bipolar”. Trata-se de um processo de subjetivação psiquiátrica que se impõe como verdade diagnóstica. Devires são cortados.
(...)
A.M..
LOUCURA NÃO-MÉDICA
A saúde não é assunto só da medicina, muito menos a saúde mental. Não é possível falar de uma saúde mental oficial. Não há decreto para o conceito, porque não há o conceito e sim conceitos criados sob contingências sociais e políticas.O conceito oficial de saúde mental é uma instituição, modelo abstrato de intervir sobre o outro, o paciente. A saúde mental deixa de ser um processo para se tornar um aparelho. Daí, trabalhar a partir da experiência do paciente, mormente na psicose, requer do técnico ir “além” desse aparelho. Este não dá conta da complexidade das crenças e dos afetos. Usamos a loucura como uma espécie de não-conceito, campo de intensidades fluidas. Ele segue o fluxo dos devires, empurra e isola a saúde mental para o campo da repetição serial do diagnóstico. Enfim, libera um espaço de criação e redefine o propósito de encontrar o paciente e não o de examiná-lo. Sabemos que isso é difícil pois a saúde mental opera num regime binário de significação: normais ou doentes. É uma marca de poder. Conta com dispositivos reducionistas para chegar ao paciente. Entre eles, o exame psíquico. Este enquadra a expressão do outro como doença, patologia, síndrome, transtorno, tanto faz. Chegar ao paciente não é encontrá-lo.Este pensamento se materializa em práticas de fabricação e controle de subjetividades individuadas: o louco varrido, o traste. Há um uso da loucura como representação da realidade, e não a própria realidade.
(...)
A.M.
ESQUIZO-ENTREVISTA – 18/05/2012
O seu livro não é científico.
De fato, não houve pretensão de sê-lo.
Se não é científico, onde está a
verdade?
A
Verdade da Ciência não é a Única...
Por que ataca a psiquiatria?
Porque ela pôs a cara desde há pelo
menos 300 anos. Questão estratégica. Além do mais, sou psiquiatra.
Não entendi.
Por
ser psiquiatra, falo de um certo lugar, ou melhor, do lugar certo para
falar.
Continuo sem entender.
É simples: pense numa espécie de
autocrítica sem culpa nem ressentimento; pense como Dostoievski: memórias da
casa dos mortos.
O que lhe moveu ao escrever?
Muitas coisas. Talvez uma das maiores
foi o desejo de afetar técnicos não psiquiatras em prol de linhas de pesquisa fora
do enquadre psiquiátrico.
Como é o seu diálogo com os psiquiatras?
Não existe.
Por que?
Porque a instituição psiquiatria é
poderosa e capturou quase todos.
Mas, você é psiquiatra.
Sim, psiquiatra e... muitas outras
coisas... multiplicidades...
Mais uma vez não entendi.
Não é para entender mesmo.
Obrigado.
Não há de que.
A.M.
A ciência é um empreendimento essencialmente anárquico: o anarquismo teorético é mais humanitário e mais suscetível de estimular o progresso do que suas alternativas representadas por ordem e lei (...) (...) Isso é demonstrado seja pelo exame de episódios históricos, seja pela análise da relação entre idéia e ação. O único princípio que não inibe o progresso é: tudo vale.
(...)
Paul Feyerabend - do livro Contra o método
(...)(...)Propomos, então, avaliar o “pensar” ao invés do pensamento; este, um depósito de sanções conceituais dualísticas, seja como o puro espírito, seja como secreção oriunda de um cérebro apassivado. Nem uma coisa nem outra, o pensamento é o fluxo dos devires que traça suas linhas tortuosas na busca de expressões do mundo. Uma clínica voltada apenas à visibilidade das coisas não mostra isso. Ademais, fabrica outro corpo e o chama de organismo. Onde estaria o pensamento? Nas alturas do espírito? Na “outra cena” ? Ele é o que viaja, ainda que possa estar no mesmo lugar. Seus vôos têm a marca do invisível e da velocidade.
(...)
A.M.
quinta-feira, 21 de junho de 2012
A "INSTITUIÇÃO" NÃO É A "ORGANIZAÇÃO"
(...) (...)Trazemos da análise institucional o conceito de instituição. Desse modo, a instituição “Saúde Mental” compreende uma forma social (ou uma forma geral das relações sociais) traduzida subjetivamente. É uma produção, mas uma produção abstrata, daí não necessariamente visível ou mensurável. E também concreta, pois seus efeitos são práticos. Se traduzem em relações sociais onde circulam elementos interpessoais, familiares, técnicos, clínicos etc. São, por assim dizer, a materialidade do cotidiano.Ao dizer “instituição” e não “organização” da Saúde Mental, evitamos captar o dado apenas empírico, ou seja, o das identidades fixadas em papéis sociais, como por exemplo os de psiquiatra e/ou de doente mental. É que para chegar aos problemas reais e às suas causas, buscamos outro olhar . Um olhar que quebre os clichês perceptivos marcados pela moral e inseridos no universo da representação .
(...)
A.M.
As sujidades deram cor em mim.
Estou deitado em compostura de águas.
Na posição de múmia me acomodo.
Não uso morrimentos de teatro.
Minha luta não é por frontispícios.
O desenho do céu me indetermina.
O viço de um jacinto me engalana.
O fim do dia aumenta meu desolo.
Às vezes passo por desfolhamentos.
Vou desmorrer de pedra como um frade.
Manoel de Barros
À PROCURA DA DIFERENÇA: O MÉTODO
O psiquiatra tem à sua frente o “movimento” e só consegue ver a forma estática e a matéria sólida. Claro, foi treinado para isso.Falamos de outra coisa, a clínica in vivo, o trabalho com a matéria invisível, o meio do qual o paciente faz parte, a ausência de coordenadas espaço-temporais estáveis. O eu é uma delas. Quem você é ? Isso vale para o psiquiatra seguro da (sua) verdade. A incerteza do eu e das crenças básicas precede o Encontro. Não há clichês. O paciente não tem forma. Seu desejo não tem forma. Ele age como produção de universos móveis. Isso é difícil de aceitar. Como encontrar o paciente pela via da multiplicidade? Como acessá-lo de um modo diferente do da psiquiatria biológica e farmacológica? Parece quase impossível ou talvez algo delirante para os que estão presos à grade da CID-10. Encontrar o paciente é encontrar a si mesmo. Esta seria uma fórmula estéril se estivesse atada à visão do eu como interioridade psíquica. Contudo, trata-se de outra coisa. Buscamos sair de nós mediante uma exposição aos signos do mundo. “Você traz novidades que me fazem ser diferente”. É uma base para o tratamento, são potências a serem descobertas no paciente e no psiquiatra. O paciente, apesar de codificado pela psiquiatria, funciona em linhas da diferença que vazam. A forma dada, estática, no fim das contas, é efeito do poder médico. Isso dificulta uma prática em direção a expressões novas. Sendo assim, o exame da mente para encontrar a mente terá que se transformar numa produção/intuição de multiplicidades. Não mais haveria exame mental porque a “mente” não é algo visível. E o que seria examinado (ou encontrado)?
Devires. Eles compõem processos do desejo e articulam crenças. Deste modo, afetos e crenças desarranjam a máquina dos sintomas-fármacos.
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A.M.
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