SEM CULPA
(...) (...) Considerando por partes, o psiquiatra sofre o efeito de várias máquinas. Primeiro, claro, da própria psiquiatria.Depois, formando uma teia ou uma trama de contornos imprecisos da medicina, do estado, da academia, da ciência, da pesquisa, do emprego, do mercado, do dinheiro, da produção, da escola, do direito, da polícia, da moral e do eu. Esta não é uma lista exaustiva. Serve apenas para pontuar o fato de que a pessoa do psiquiatra não está presente na clínica como “razão individual” ou “consciência”, mas como peça constitutiva de um agenciamento coletivo. Daí, a ênfase no seu “sofrimento” não como um afeto necessariamente ruim, mas como pathos. O psiquiatra sente e não precisa dizê-lo (está implícito) mas é preciso torná-lo real mediante o ato clínico. E o faz com a força motriz das suas capacidades técnicas aplicáveis a cada situação. Não se trata, pois, de interpelá-lo como pessoa, indivíduo, pois ele apenas repete o script da palavra de ordem que aciona a psiquiatria desde o seu nascedouro:“este homem é louco? caso seja, controle-o!” Assim, sente o efeito das produções desejantes que se conjugam num eu pronto a sacar o remédio químico. Não sofre por isso (nenhuma culpa) e não sofre ao receber ordens implícitas para fazer isso.Nada a ver com os escrúpulos da consciência.
(...)
A.M.
Pilatos.
ResponderExcluirDisse "Pilatos", mas não expliquei. Antes que se interprete como uma ofensa pessoal, Pôncio Pilatos foi UMA ESPÉCIE DE JUIZ que condenou Jesus Cristo à cruz, mesmo não tendo encontrado nele nenhuma culpa. Percebam que aqui há todos os elementos necessários para a análise do discurso. Em primeiro lugar, Pilatos é um homem do poder e, como tal, não quer "largar o doce", não quer se comprometer, entretanto e pelo menos, PILATOS NÃO PROPÕE UM DISCURSO NIETZSCHIANO. Em segundo lugar, ele é um prefeito, prefeito da Judéia, mas uma ESPÉCIE DE JUIZ, porque o que ele diz é exatamente o que foi postado aqui nesse blog, como uma crítica. Vejam só que absurdo! A postagem se referia a um dizer de Michel Foucault sobre as "funções do juiz". E, ao mesmo tempo que isso foi postado, como crítica, o discurso promovido é o mesmo do juiz: "Eis aqui o louco que vocês querem e pedem que eu controle." Terceiro e último lugar, ninguém falou aqui em consciência, nem em pessoa, e sim em agenciamentos coletivos mesmo, aliado a outros agenciamentos, mas não enquanto fundamento de uma prática HUMANISTA. Engraçado, mais uma vez, engraçado. Critica-se tanto o HUMANISMO, mas o que se diz é exatamente: "Faça sua prática no dia a dia, ali com o paciente, drible a psiquiatria, etc., etc." Um discurso HUMANISTA, uma vez que APOSTA NO SER HUMANO (TÉCNICO) e no seu cotidiano de trabalho com o paciente na melhora dos serviços, da saúde mental, enfim, do que se queira objetivar. O dizer "sem culpa" só confirma o "Pilatonismo", porque foi exatamente o que Pilatos fez diante de Jesus, que pode muito bem representar um louco. Pilatos diz: "Vocês querem condená-lo e eu não encontro nenhum motivo para condenar este rapaz, entretanto, imerso em dispositivos institucionais e cumprindo a minha obrigação, eu retiro a minha culpa e cumpro a minha obrigação." É exatamente do que se trata.
ResponderExcluir