Trabalhas sem alegria para um mundo caduco,
onde as formas e as ações não encerram nenhum
exemplo.
Praticas laboriosamente os gestos universais,
sentes calor e frio, falta de dinheiro, fome e desejo
sexual.
Heróis enchem os parques da cidade em que te arrastas,
e preconizam a virtude, a renúncia, o sangue-frio, a
concepção.
À noite, se neblina, abrem guarda-chuvas de bronze
ou se recolhem aos volumes de sinistras bibliotecas.
Amas a noite pelo poder de aniquilamento que encerra
e sabes que, dormindo, os problemas te dispensam de
morrer.
Mas o terrível despertar prova a existência da Grande Máquina
e te repõe, pequenino, em face de indecifráveis pal-
meiras.
Caminhas entre mortos e com eles conversas
sobre coisas do tempo futuro e negócios do espírito.
A literatura estragou tuas melhores horas de amor.
Ao telefone perdeste muito, muitíssimo tempo de
semear.
Coração orgulhoso, tens pressa de confessar tua
derrota
e adiar para outro século a felicidade coletiva.
Aceitas a chuva, a guerra, o desemprego e a injusta
distribuição
porque não podes, sozinho, dinamitar a ilha de Man-
hattan.
Carlos Drummond de Andrade

Ao telefone perdeste muito, muitíssimo tempo de semear. (a melhor frase do poema) kkkkkkk
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