terça-feira, 17 de julho de 2012

CLÍNICA E ÉTICA

A  psiquiatria chama o  seu  paciente de  “portador de  transtorno mental”. Nem  sempre explícito,  tal enunciado está na bíblia  dos diagnósticos, a  CID. A expressão “mental”  é usada  de modo naturalizado, ou seja, todo mundo  sabe  o que é “mental”. A  metonímia “ele  é  um  mental”  expõe o nervo do estigma.Contudo,  no  Encontro com a loucura,  acontece  outra  coisa: a  mente some como substância,  ou  como  algo  palpável.   Dilui-se num  vazio  sem  forma.Encontrar o  paciente seria então  possível? Sim, na medida em que  se adentre   ao   Acaso,  ao  Indeterminado  e ao  Desconhecido.  Esta é a condição. Como, então,trabalhar a clínica?  A experiência da prática  mostra que  ela  só existe como abertura ao  mundo. Por  outro  lado, a  ética – essência da clínica - sustenta-se  na alegria.  É  a  força  maior. “O regime da alegria é  o do  tudo  ou  nada: não  há senão alegria total  ou nula” A  psicopatologia da  diferença   busca,  então, atuar  em  linhas  existenciais desprezadas  pela  razão.  Lida com  o  incurável,  o imprestável, e com  discursos submetidos  às formações de poder.  Requer um  desejo   não apoiado na realidade objetiva   pois  o  desejo é a  própria   realidade objetiva.  No  universo  sedutor-violento  do  capital, a  aposta  num trabalho com  pacientes  graves  capta  o ritmo das  canções  sem  dono. Tudo  é impessoal e  coletivo. O Caps  torna-se, então, a procura  de saídas não  cadastradas pela psiquiatria  canônica. A  ótica  da  diferença é  o  novo. A ética  precede a técnica.Quem arrisca? Legiões de psiquiatrizados  de toda parte ajoelham-se  no altar  dos  psicofármacos e dos cérebros à mão. Tudo conspira a favor do consumo de pacotes cientificamente autorizados  para ações lucrativas. No  entanto,  mesmo desbotada e segregada nos  grilhões cidológicos , a diferença  resiste. A ética da potência  de  viver afirma-se como  ética  de poetas   itinerantes.O discurso e a prática da  diferença  exploram  o avesso  da  ordem  do  estado  capitalista. Quem se  interessa  em criar,  fazer nascer?  Pergunta  insana, na  medida em que os  poderes investem na   repetição do  mesmo e  no  rigor  mortis  do pensamento. Por isso,uma  clínica da diferença considera as  determinações sócio-políticas como  a  superfície  da  ação  mais  concreta. O  ato  clínico.  Em  suas  pesquisas, não  encontra  respostas  exatas, mas   problemáticas instigantes.Se  a loucura é a experiência que   atravessa a subjetividade, (mesmo que não estejamos loucos, podemos entrar  num devir-loucura), tudo  muda  na  percepção fina  da  realidade do  Encontro. Um novo universo se  desvela. Somos devires incontroláveis.
(...)
A.M.

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